Vozes que atravessam o tempo
Cena de Guerrilheiras ou para a Terra não há Desaparecidos (Foto: Elisa Mendes)
Mais do que documentar um acontecimento trágico da história brasileira – a Guerrilha do Araguaia, que exterminou jovens comprometidas com a luta contra a ditadura na primeira metade dos anos 1970 –, Grace Passô, responsável pela dramaturgia (com assistência de Gabriela Carneiro da Cunha), perpetua as vozes das militantes assassinadas. Em sentido inverso, sobreviver não significa necessariamente a retomada do vínculo com o presente, já que a brutalidade da tortura muitas vezes aprisiona as vítimas no passado terrível.
Em cartaz até o próximo domingo na arena do Espaço Sesc, em Copacabana, a montagem dirigida por Georgette Fadel coloca o público diante de mulheres oprimidas, mas heroicas: guerrilheiras que não abrem mão de seus ideais, mães que, devido à ausência dos corpos das filhas, continuam impedidas de realizar o luto e, consequentemente, atadas ao passado, moradoras que testemunharam e sofreram com a violentíssima repressão do regime.
A dimensão temporal fica destacada ainda em certas escolhas da montagem, como a predominância do plástico no cenário de Aurora dos Campos. A valorização desse material (por meio de superfícies de diferentes cores sobrepostas) que demora a se decompor remete à permanência no tempo. Traz à tona a asfixia de vozes reivindicadoras que, porém, não se encerram na morte. No chão do teatro são projetadas, em conexão com a cenografia, as imagens captadas por Eryk Rocha, que escapam de um formato documental mais convencional, evocando o Araguaia através da natureza.
As personagens anônimas no palco, mas identificadas no programa da encenação, são, em determinados momentos, individualizadas, particularizadas, pela iluminação de Tomás Ribas. As atrizes – Carolina Virgüez, Daniela Carmona, Fernanda Haucke, Gabriela Carneiro da Cunha, Mafalda Pequenino e Sara Antunes – procuram imprimir intensidade contundente, realçada pelas exposições dos corpos, com pequenas variações de potência no resultado. Se na cena inicial Virgüez assume registro na primeira pessoa do singular, mas evidenciando, aos poucos, composição de personagem que ressalta alienação contrastante em comparação com o engajamento de décadas anteriores, as demais atrizes também portam o “lugar” do depoimento sem, contudo, buscarem a (aparente) desconstrução, o (suposto) desmascaramento, da abertura do espetáculo.