Uma vida recortada do mundo
Renata Egger em O Quarto de Bianca, montagem do Interferência Teatral
Bianca é uma personagem que vive fora do tempo. Desvinculada do presente, permanece atada à infância numa busca pela juventude eterna, tópico, aliás, bastante contemporâneo – não por acaso, ressaltado com constância em peças recentes, nem sempre através de novos olhares. Mais do que desajuste com a sua época, Bianca desponta recortada dela, na medida em que se mostra encastelada num mundo à parte.
Rafael Cal, responsável pela dramaturgia e direção dessa montagem (que nasceu como desdobramento do espetáculo As Pessoas Felizes não têm Histórias pra Contar) do grupo Interferência Teatral, se debruça mais sobre um estudo de caso do que propriamente sobre o desenvolvimento de um determinado enredo. A ausência de uma história, no sentido convencional do termo, não é um problema em si, mas, no decorrer desse sintético trabalho (40 minutos de duração), o autor incorre em certa reiteração, mais repetindo do que complementando o perfil de sua personagem.
A inclusão do público proposta no texto e realçada na encenação por meio de marcações frontais não é justificada, a não ser como recurso para sublinhar a solidão de uma personagem que fala ininterruptamente, mas não se comunica, de fato, com ninguém. Renata Egger interpreta Bianca com considerável energia e adesão, enveredando, porém, por linha de composição (em especial, nos momentos em que se vale de registro vocal estridente para evocar a carência da infância) que não deixa muito espaço para uma abordagem mais sutil ou verticalizada das lacunas que assombram a personagem.
A presença da atriz é destacada numa montagem levantada com pouquíssimos elementos (apenas uma mala, uma boneca e uma pequena moldura). Entretanto, apesar da proposital escassez, os objetos mais comprovam do que alargam o horizonte em relação à personagem. Já a iluminação conta com gradações delicadas que valorizam a cena. O figurino contrasta a gastura (na parte de cima do vestido, transparente, manchado) com a preservação de um visual de antigamente, intocado. A música parece ter sido concebida para injetar uma dose de melancolia, mas é utilizada de maneira excessiva e jamais se integra de modo orgânico ao todo.
Mesmo com as diversas restrições, O Quarto de Bianca não segue a trilha do apelo fácil à identificação direta com o espectador por meio de características comportamentais generalizantes, rapidamente enumeradas, como ocorre em tantos espetáculos. Em cartaz no Teatro Ziembinski, a montagem também pode ser vista num quarto do Art Hostel Rio, no Catete, ambientação mais próxima da circunstância do texto que talvez estimule uma nova possibilidade de leitura.