Um espetáculo refinado e singular
Miwa Yanagizawa em Trágica.3, montagem dirigida por Guilherme Leme (Foto: Gustavo Leme)
Por meio da encenação de Trágica.3, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, Guilherme Leme frisa a sua conexão com as artes plásticas e evoca RockAntygona, na medida em que segue trabalhando com apropriações de tragédias – agora, juntando Medeia (a partir de Medeamaterial, de Heiner Müller), Antígona, de Sófocles (mas trazida à tona através de texto de Caio de Andrade) e Electra, também de Sófocles (em texto de Francisco Carlos).
Guilherme Leme assina um espetáculo singular, de ritmo contemplativo. Seduz por meio de atmosfera hipnótica em Antígona (a música é um elemento importante para produzir essa sensação), realça a trama em Electra e destaca vídeo em Medeia. De todos os procedimentos, o vídeo (realizado pelo próprio Guilherme e por Gustavo Leme) é o menos satisfatório, tendo em vista que se impõe excessivamente em cena ilustrando de modo desnecessário (e concreto) a fala de Medeia sobre os dois filhos que assassinou para se vingar de Jasão.
Estruturado como sucessão de solos (com intervenções de Fernando Alves Pinto e Marcello H como, respectivamente, Hêmon e Orestes), Trágica.3 é um projeto que, mesmo escorado em visualidade de impacto, exige atrizes com condição de sustentar a palavra. Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e Denise Del Vecchio imprimem falas contundentes e enfrentam com sucesso o desafio da permanência em cena com reduzida movimentação, mérito que deve ser compartilhado com a direção. Estes pontos em comum não fazem com que suas atuações resultem uniformizadas.
Letícia Sabatella, com voz penetrante, articula texto e música, sugere sons ancestrais e surge ao microfone como imagem solitária, melancólica, mas, apesar de tudo isso, incorre em certa linearidade. Miwa Yanagizawa investe em rigidez corporal. Diz boa parte do texto de braços abertos, especificidade que influencia decisivamente na fala. A notada referência oriental pode remeter à quase imobilidade da Lady Macbeth de Trono Manchado de Sangue, filme em que Akira Kurosawa transportou Macbeth, de William Shakespeare, para o Japão feudal. Denise Del Vecchio, ainda que prejudicada pelo vídeo, apresenta interpretação segura, firme, dotada de apreciável porte. Em participações menores, Fernando Alves Pinto opta por registro vocal muito impostado e Marcello H, por neutralidade, sem marcar como ator.
Espetáculo refinado, Trágica.3 conta com cenografia de Aurora dos Campos composta por um painel retangular circundado por outro grande retângulo, proposta abstrata que serve bastante bem aos solos. A iluminação de Tomás Ribas colore os retângulos com tonalidades fortes e sobressai ao emoldurar o corpo de Letícia Sabatella. A trilha original (de Fernando Alves Pinto, Letícia Sabatella e Marcello H), mais presente em Antígona, é adequadamente suave. Os figurinos, criações arrojadas de Glória Coelho, valorizam cores neutras (branco, preto, prata) para os vestidos das atrizes, sempre com partes cobertas por transparências, mas evidenciam um perfil de grife.
As eventuais restrições não minimizam a qualidade de Trágica.3, uma montagem que ocupa lugar de inegável relevância no quadro atual da temporada teatral do Rio de Janeiro.
carmattos
7 de agosto de 2014 @ 11:32
Belo texto. Vou ver a peça
danielschenker
19 de agosto de 2014 @ 20:57
Valeu, Carlinhos.