Uma questão de verniz
Luciana Fávero e Claudio Gabriel em Hollywood (Foto: Daniel Moragas)
Diretor que vem acumulando experiência na dramaturgia de David Mamet, Gustavo Paso investe, em Hollywood, numa montagem (em cartaz somente até hoje no Teatro Poeira) marcada por escolhas simples que não concorrem com o potencial polêmico do texto. Mamet coloca o leitor/espectador diante da postura mercadológica de dois executivos da indústria cinematográfica, representantes de um mundo pragmático, determinados a concretizar um projeto que soa como um cálculo comercial certeiro. Um deles, porém, é desestabilizado a partir do contato com uma secretária, que procura convencê-lo a viabilizar a adaptação de um livro, projeto de porte reduzido.
Mamet parece apostar na crença de que o confronto do indivíduo com a própria verdade pode levá-lo a uma transformação ideológica contundente (e instantânea). Independentemente de o espectador concordar com essa “tese”, o texto abre possibilidades diversas de interpretação. Uma reside no afastamento de uma abordagem maniqueísta. A julgar pela defesa entusiasmada, mas algo ingênua, da secretária, o projeto do livro não se revela tão superior em termos artísticos ao dos executivos. E a reviravolta final sugere que todos, de certa maneira, agem por interesse. Talvez a diferença os dois projetos e entre as figuras dos executivos e a da secretária seja uma questão de verniz.
Claudio Gabriel e Luciana Fávero encontram material mais propício, na medida em que mais ambíguo, para o trabalho do que Ricardo Pereira, encarregado de um personagem destituído de maior colorido. Claudio Gabriel imprime modulações que distanciam sua atuação de uma linearidade mecânica. Luciana Fávero transita com habilidade do lugar de vítima da manipulação realizada pelos executivos para o de domínio de um jogo insinuante. Ricardo Pereira, constantemente exaltado e ansioso, segue linha mais previsível.
À frente dessa montagem da Cia. Teatro Epigenia, Gustavo Paso redefine a espacialidade do Teatro Poeira: separa a plateia em duas partes e estabelece a cena no meio. O cenário, de Paso, e os figurinos, de Sonia Soares e Mariana Baffa se aproximam do monocromático e a iluminação de Paulo Cesar Medeiros distingue o ambiente do escritório do da casa de um dos personagens. Em Hollwood, Paso dá continuidade à sua investigação da obra de Mamet e a desafios, como o posicionamento geográfico do público em relação à cena e a alternância entre os atores – em Oleanna, Marcos Breda e Miwa Yanagizawa dividiam o mesmo papel, suscitando alterações de leitura com a mudança de sexo do personagem, enquanto que agora o revezamento entre Ricardo Pereira e Gustavo Falcão se concentra na eventual variação de temperamento artístico de ambos. Sem buscar maiores ousadias, o diretor orquestra um embate verbal que tende a prender a atenção da plateia.