Um Van Gogh contemporâneo
Gero Camilo em A Casa Amarela, encenação apresentada no Festival de Londrina (Foto: Milton Dória)
A Casa Amarela não evidencia um desejo de biografar Van Gogh. Ao contrário, o monólogo de Gero Camilo, apresentado recentemente no Festival Internacional de Londrina (Filo), coloca o público diante de sua lógica, de sua estrutura de funcionamento, caótica. A proposital dispersão é um pouco minimizada, mas não domesticada, a partir do momento em que o texto (de autoria do próprio Camilo) se refere mais diretamente à relação entre Van Gogh e Paul Gaughin.
Na dramaturgia, Gero Camilo promove uma fusão de tempos, mas parte da contemporaneidade. Na apresentação realizada durante o Filo, referiu-se especificamente à cidade de Londrina. Evocou artistas importantes em sua carreira (como os atores Marat Descartes e Paula Cohen, que participaram, respectivamente, de Aldeotas e Cleide, Eló e as Pêras, textos de Camilo que formam uma trilogia com A Casa Amarela). E presentificou a figura emblemática da atriz Cacilda Becker. Gero Camilo imprime uma entonação concreta, que aproxima o público de uma dramaturgia não exatamente objetiva. Procura estimular a imaginação da plateia, a exemplo do instante em que “pinta” no ar a imagem de uma espectadora.
A encenação, dirigida por Marcia Abujamra (que já assinou outro monólogo sobre Van Gogh, escorado na correspondência entre o pintor e o irmão, Theo, com Elias Andreato e uma performance com Pascoal da Conceição a partir de Van Gogh, o Suicidado da Sociedade, de Antonin Artaud) valoriza mais a ausência, a supressão, perspectiva materializada na cenografia (de Karina Ades), composta por molduras sem telas. Mais do que qualquer pintura, Van Gogh é a obra. A Casa Amarela traz à tona a perspectiva do artista, do corpo como obra, sintetizada ao final, quando o ator passa tinta na roupa e nas pernas. O Van Gogh que desponta em cena é um indivíduo inacabado, em (eterno) processo. Não por acaso, as imagens de panos manchados de tinta realçam a questão do esboço, do rascunho, da obra em construção.
Trabalho que pode ser visto pelo espectador carioca no último dia 24 de setembro, dentro do projeto Solos de Teatro realizado no Teatro Sesc Ginástico, A Casa Amarela resulta do entrosamento de criações: além da cenografia, a iluminação (de Karine Spuri), que investe em tonalidades intensas sem perder de vista a atmosfera intimista, crepuscular, o figurino (de Paula Cohen), borrado de tinta, e a trilha sonora (de Eugenio La Salvia e Rubi), mais rascante à medida que Van Gogh perde o controle. Os poucos objetos cênicos pareceram um tanto soltos na vasta extensão do palco do Teatro Marista, em Londrina, mas esse dado não chegou a se constituir como problema.
carmattos
26 de setembro de 2013 @ 20:07
Que maravilha poder acompanhar o movimento teatral com textos como esse!