Um trabalho coerente e singular
Samba Futebol Clube está em cartaz no Teatro II do CCBB (foto: Leonardo Aversa)
Gustavo Gasparani vem investindo em musicais de temática brasileira e, mais especificamente, voltados para a história do Rio de Janeiro, a julgar pela busca de matéria-prima na influência francesa sobre a Capital Federal (em Oui Oui… A França é Aqui! A Revista do Ano), na efervescência teatral de uma região do Centro (As Mimosas da Praça Tiradentes) e em lendária escola de samba (Otelo da Mangueira). Sua abordagem, porém, não é didática. Gasparani tende a promover fusão de tempos por meio de estruturas não lineares.
É exatamente o que se verifica em Samba Futebol Clube, espetáculo que entrelaça músicas e textos concebidos em torno do universo do futebol. Auxiliado pela pesquisa musical de Alfredo Del Penho e pela de textos de João Pimentel, Gasparani mescla produção cultural que atravessa décadas, sem, contudo, incorrer na ordenação cronológica. Afasta-se de uma perspectiva mais convencional, que tornaria bem menos complexa a construção do roteiro. Há, em todo caso, uma distinção assumida entre os dois atos que compõem o espetáculo atualmente em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. No primeiro impera o ponto de vista dos torcedores; no segundo, a ótica dos jogadores.
Esta distinção não faz com que o resultado seja menos ousado. A encenação só se revela um pouco menos inventiva no emprego do telão (elemento emblemático no estádio de futebol), que, apesar de trazer uma simpática alternância entre animação e imagens de arquivo, adquire caráter algo ilustrativo em relação ao destacado a cada momento. Um problema que pode ser detectado, em certos instantes, na iluminação de Paulo César Medeiros. A cenografia de Marcelo Lipiani coloca o público diante de um recorte de arquibancada, mas que também parece um espaço neutro. Os figurinos de Marcelo Olinto primam pela informalidade. No entanto, um ou dois figurinos (no primeiro ato) destoam inexplicavelmente desse direcionamento.
Seja como for, restrições eventuais e localizadas não ameaçam um trabalho muito bem-sucedido, repleto de cenas divertidas, como a locução realizada pelos atores na abertura do espetáculo e a do hino nacional no início do segundo ato. Gustavo Gasparani demonstra segurança tanto nas passagens feéricas, esfuziantes, quanto nas menos aceleradas. A direção de movimento e as coreografias de Renato Vieira são particularmente inspiradas e a direção musical de Nando Duarte merece elogios. Gasparani conduz um elenco bastante entrosado e homogêneo. Os atores – Alan Rocha, Cristiano Gualda, Daniel Carneiro (especialmente bem), Gabriel Manita, Jonas Hammar, Luiz Nicolau, Rodrigo Lima e Pedro Lima – apresentam bom domínio vocal e habilidosa composição de tipos. Samba Futebol Clube comprova que Gustavo Gasparani segue fazendo musical de qualidade e de maneira singular.