Um espetáculo de exceção
Eva Wilma e Nathalia Timberg em O que terá acontecido a Baby Jane? (Foto: Leo Ladeira)
Charles Möeller e Claudio Botelho se notabilizaram, a partir da segunda metade década de 1990, como bem-sucedidos representantes do musical. Mostraram-se capazes de orquestrar espetáculos de portes variados, demonstraram disponibilidade para incluir atores não filiados ao gênero nos elencos e firmaram resistência em relação a tendências de mercado, como o formato biográfico. Atualmente em cartaz no Theatro Net Rio, O que terá acontecido a Baby Jane? desponta como um projeto de exceção na parceria de ambos, na medida em que não se trata de um musical. Ainda assim, é possível traçar analogias longínquas com encenações anteriores da dupla, tanto no que diz respeito à temática ligada a embates familiares quanto à conexão, mais ou menos direta, com o cinema – no caso de Baby Jane, o filme de Robert Aldrich, de 1962, protagonizado por Bette Davis e Joan Crawford, por sua vez oriundo do livro de Henry Farrell.
Outras referências vêm à tona. Em dado momento há uma citação ao célebre Psicose (1961), de Alfred Hitchcock. E cabe evocar Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, tendo em vista a influência de fases de transição de linguagem artística nas jornadas particulares das personagens e a poderosa engrenagem da indústria cinematográfica que perversamente divide os atores entre vencedores e perdedores, entre aqueles que permanecem assediados e os relegados ao ostracismo. Em Baby Jane, Jane Hudson, vaidosa e aplaudida na infância, se apaga, ao longo do tempo, diante do talento da irmã, Blanche, com quem estabelece convívio cruel no cotidiano dentro da mesma casa.
A oposição entre as personagens não corresponde às trajetórias das atrizes em cena, Eva Wilma e Nathalia Timberg, donas de carreiras solidamente construídas. Nessa montagem, as duas revelam trabalhos de composição – destacando a valorização do quadro de decadência da alcóolatra Jane (papel de Eva) e o crescente desgaste físico sofrido por Blanche (Nathalia). Com rendimentos modestos, de acordo com as dimensões das personagens dentro do texto, Sophia Valverde, Duda Matte (interpretando as irmãs na infância), Juliana Rolim, Karen Junqueira (as irmãs na juventude), Paulo Goulart Filho, Teca Pereira e Nedira Campos completam o elenco.
A preocupação com uma clareza quase didática é evidenciada no modo como Charles Möeller e Claudio Botelho alternam os planos temporais – conjugando os percursos das personagens na infância, na juventude e nos anos finais –, realçados na cenografia de Rogério Falcão, na iluminação de Paulo César Medeiros e nos figurinos de Carol Lobato. Apresentados, de início, de forma separada no cenário, os planos vão se amalgamando no decorrer da encenação. Com sugestão realista, relativizada por paredes e janelas estilizadas, o cenário, ao localizar a sala e o quarto de Blanche lado a lado – imprimindo, portanto, um visual compacto –, não segue a indicação do original, que frisa o isolamento de Blanche no segundo andar da casa. O resultado é problemático, não pela falta de fidelidade em si, mas por interferir na situação-base sobre a qual repousa parte considerável do suspense. A luz, que sublinha instantes específicos de cada plano, também coloca o realismo em tensão ao potencializar a dramaticidade de certas passagens, a exemplo daquele em que Blanche empurra a bandeja trazida por Jane. Os figurinos diferenciam as irmãs conforme seus perfis e as circunstâncias dos diversos estágios da vida. A trilha sonora de Charles Möeller acentua o caráter sinistro que atravessa a trama.
Apesar do investimento numa proposta cênica (o realismo em questão), a oportunidade de assistir a contracena entre Eva Wilma e Nathalia Timberg concentra muito do interesse em torno dessa montagem de O que terá acontecido a Baby Jane?.