Tudo conforme o esperado
Marcelo Serrado e Rafael Infante: retomada de elos afetivos na montagem em cartaz no Teatro dos Quatro (Foto: Priscila Prade)
Rain Man é um projeto teatral calculado sob medida para sensibilizar o espectador, exatamente como ocorreu com o premiado filme de Barry Levinson, exibido no final da década de 80. O personagem do autista Raymond, interpretado com sucesso por Dustin Hoffman no cinema e agora por Marcelo Serrado no teatro, foi criado para suscitar empatia na plateia devido à sua pureza (contrastada, de início, com as intenções mais que questionáveis do irmão, Charlie) e habilidade numérica (característica que garante uma dose de humor). O texto de Dan Gordon se sustenta mais pela via afetiva do que por suas reais qualidades artísticas – a julgar pela oposição esquemática entre os dois irmãos (Charlie, o estereótipo de yuppie de plantão, e Raymond, recluso num mundo pessoal e repleto de regras complicadas de serem emocionalmente superadas) e pela previsibilidade no desdobramento dos acontecimentos.
O diretor José Wilker reforça a proposta de um texto que visa a reverberar de forma imediata no público por causa do potencial de identificação com uma história sobre retomada de laços fraternos. O espetáculo de Wilker se mantém no limite da correção, sem ambições relacionadas a uma maior ousadia – o que talvez nem fosse possível diante de um material que não tende a permitir voos autorais. Rain Man desponta como uma tradicional montagem de mercado que favorece o trabalho do ator encarregado de interpretar Raymond. Marcelo Serrado investe em determinados recursos (voz infantilizada, sílabas esticadas, tempo ralentado nas respostas) que se somam numa composição que encontra receptividade no espectador, conforme o esperado. Rafael Infante exagera, nos minutos iniciais, no realce ao pragmatismo destituído de afetividade de Charlie, mas suaviza o personagem no decorrer da apresentação. Os demais atores – Fernanda Paes Leme, Roberto Lobo, Jaime Leibovitch e Sara Freitas – se desincumbem sem grandes dificuldades de personagens sem muitas variações.
A parte técnica se afasta um pouco das convenções imperantes na encenação, mas nem sempre com bons resultados. A cenografia de Marcos Flaksman parece um tanto inacabada com os praticáveis de tamanhos diversos, os recortes de ambientes que não chegam a sugerir desenhos precisos e a irregular utilização do vídeo (a cargo de Eduardo Chamon). Os figurinos de Beth Filipecki e Renaldo Machado vestem os personagens de acordo com as informações contidas no texto acerca dos personagens, opondo o traje comportado de Charlie a uma certa leveza nas cores escolhidas para Raymond. A iluminação de Maneco Quinderé oscila entre a luz aberta e um movimento mais feérico que surpreende em dados instantes. A direção musical de Marcelo Alonso Neves imprime apreciável sabor nostálgico por meio das canções evocadas.
Concebido para envolver o espectador de maneira direta, Rain Man é um espetáculo de considerável eficiência se avaliado dentro desse propósito. Contudo, aqueles que não cederem aos mecanismos de sedução poderão perceber uma obra de construção bastante à mostra.