Tragédia em abordagem indefinida
Camilla Amado e Rafaela Amado em Electra, montagem que encerra temporada hoje no Espaço Sesc (Foto: Renato Mangolin)
A figura de Electra evidencia a estrutura rígida dos heróis trágicos, determinados a levar seus planos até o fim, mesmo sendo contrários às leis coletivas instituídas. Como Antígona, também protagonista de célebre tragédia de Sófocles, Electra não cede, não negocia, não consegue relativizar a sua visão de mundo e, consequentemente, não percebe outras possíveis formas de ação.
Na versão em cartaz apenas até hoje na Arena do Espaço Sesc, com supervisão de texto de Fernanda Schnoor, há primazia da trama em detrimento de uma abordagem verticalizada de questões existenciais. Electra não mede esforços para vingar a morte do pai, Agamêmnon, por sua mãe, Clitmnestra. Busca, sem sucesso, o apoio da irmã, Crisótemes, e sofre desestabilização ao ser informada da morte do irmão, Orestes. Mas ele não só não morreu como acaba se tornando um poderoso aliado de Electra, que o influencia decisivamente no combate a Clitmnestra.
O diretor João Fonseca apresenta um espetáculo indefinido entre o enfrentamento da palavra por meio da austeridade e o investimento em recursos que despontam em cena como concessões, de modo a fazer com que a experiência do espectador fique menos árdua. São os casos da trilha sonora de João Bittencourt, desnecessariamente grandiloquente em vários momentos, de reiterações na iluminação de Luiz Paulo Nenen (como a utilização do vermelho na morte de Clitmnestra) e do registro de atuação passional, catártico, de Rafaela Amado. A atriz tenta projetar a intensidade da dor de Electra, mas a emoção soa bombeada.
Os atores não foram conduzidos na procura por uma unidade interpretativa, problema maior que o resultado alcançado nos rendimentos individuais. Camilla Amado confirma seu amplo domínio técnico, a julgar pelo controle da respiração, fundamental nas quebras do texto, perfeitamente compreendido pela atriz, que demonstra construção precisa de Clitmnestra. Seguindo a linha da contenção, Mario Borges estabelece, desde o primeiro instante, elo com o público ao narrar a história sem se valer de eventuais vícios de contundência. Francisco Cuoco rompe com a rigidez que atravessa a encenação através de tom informal. Ainda que pareça decorrer mais da personalidade artística do ator que de uma concepção proposital, o contraste se revela oportuno. Ricardo Tozzi se mostra correto como Orestes, sem enveredar por exageros. Paula Sandroni realiza intervenção adequadamente discreta como Crisótemes. Alexandre Mofati não tem chance de imprimir presença mais marcante como Egisto.
João Fonseca já se debruçou sobre a tragédia a partir de perspectiva contemporânea em Édipo Unplugged, mais uma imersão em Sófocles, montagem de porte reduzido, destituída de efeitos. Em Electra, as escolhas são menos claras. A encenação oscila entre a opção pela síntese e o flerte com certa espetaculosidade, questão que transparece em criações do trabalho. Os figurinos de Marilia Carneiro e Reinaldo Elias adicionam trajes que insinuam o primitivo a malhas pretas, neutras, sugestivas do inacabado, do em processo, sem, porém, que esse direcionamento seja plenamente concretizado. Mais bem resolvido, o cenário de Nello Marrese é composto por sobreposição de plataformas, dispostas em quatro variações de altura, e raspas avermelhadas cobrindo o palco. Essa nova montagem de Electra aponta caminhos distintos sem assumir, de fato, algum ou sem promover tensão intencional a partir das diferenças.