Teatro no cinema de Resnais e Schlöndorff
Cena de Baal, versão de Volker Schlöndorff para a peça de Bertolt Brecht
A conexão com o teatro pautou alguns filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Dois deles, realizados por diretores renomados, merecem revisão: Baal (1970), de Volker Schlöndorff, a partir de peça de Bertolt Brecht, e Meló (1986), de Alain Resnais, escorado em texto de Henri Bernstein.
O Rio de Janeiro recebeu, no final da década de 1980, uma importante montagem desse texto representativo do jovem Brecht, assinada por Moacyr Góes, com a Companhia de Encenação Teatral. Helena Ignez também se debruçou sobre a obra de Brecht no ótimo e ainda inédito Canção de Baal (2008).
Brecht procurava fazer com que o espectador se tornasse uma peça pensante, no sentido de refletir sobre as questões expostas por meio da fábula, ao invés de travar uma identificação passiva, aos moldes do realismo/naturalismo, com a história e os personagens. Para tanto, valia-se de uma série de procedimentos para, em última instância, promover um distanciamento crítico entre o público e a obra com a qual se deparava.
Dividido em 24 pequenos capítulos, o filme, concebido para a televisão alemã, coloca a plateia diante do insubordinado Baal (interpretado pelo emblemático Rainer Werner Fassbinder), uma espécie de outsider que incomoda a alta sociedade. Schlöndorff – que flertou com o teatro em produções como A Morte de um Caixeiro Viajante, a partir da peça de Arthur Miller (1985), e, mais recentemente, de Diplomacia (2014), oriundo de texto de Cyril Gely, uma das atrações do recém-encerrado Festival do Rio – reúne qualidades em Baal: confirma o valor poético da obra original, dimensiona a relevância da música para Brecht (Baal é apresentado através dela), investe em cortes bruscos e no recurso da voz em off e mantém a câmera próxima aos rostos dos atores. No elenco – que conta com a atriz Hanna Schygulla e a cineasta Margarethe von Trotta –, cabe elogiar Miriam Spoerri, como Emilie Mech.
Cena de Meló, filme de Alain Resnais escorado em texto de Henri Bernstein
Em Meló, Alain Resnais assume a influência teatral – presente em outros de seus filmes, como em Vocês ainda não viram Nada! (2011) e Amar, Beber, Cantar (2014) –, realçada, logo no início, pela imagem da cortina, que ressurge no decorrer da projeção para delimitar a transição entre os atos. Na primeira grande sequência, passada no quintal da casa de Romaine (Sabine Azéma) e Pierre Belcroix (Pierre Arditi), a cenografia fica evidenciada. Já as demais ambientações – o interior da casa de Marcel Blanc (André Dussolier), um bar luxuoso, a beira do rio – não despontam como cenários de uma apresentação teatral.
Seja como for, o teatro transparece num especial cuidado com a luz e na determinação em potencializar o trabalho dos atores (Fanny Ardant integra o elenco) nesse melodrama de Bernstein, centrado na relação entre os três personagens, particularmente no vínculo extraconjugal entre Romaine e Marcel. A câmera é conduzida de maneira suave (destaque para a passagem em que Resnais concentra o foco em Marcel, quando este evoca seu sofrimento ao perceber o flerte entre a mulher que amava e um homem na plateia de seu recital).
carmattos
27 de outubro de 2014 @ 20:53
Se não me engano, Melô foi o primeiro filme em que Resnais incorpora diretamente o teatro (como teatro mesmo) no seu cinema.