Teatro de mercado com padrão de produção
Tato Gabus Mendes , Frank Borges, Antonia Frering e Giselle Batista em Relações Aparentes (Foto: Paula Kossatz)
Uma montagem como a de Relações Aparentes ocupa uma lacuna na cena do Rio de Janeiro, no que se refere à quase ausência de espetáculos de mercado dotados de um determinado acabamento em termos produção que não sejam filiados à corrente do musical. Supre, parcialmente, um espaço deixado vago no chamado teatro comercial, que, nos últimos tempos, ficou restrito a espetáculos de humor descartável e estrutura funcional, destituídos de aparatos que atrapalhem a alta rotatividade das salas.
Nessa comédia, o dramaturgo inglês Alan Ayckbourn aborda os problemas de comunicação no convívio entre dois casais de faixas etárias distintas, tanto por mentiras presentes no relacionamento quanto pela dificuldade de escutar e perceber o que é dito. Falta transparência aos dois casais, mas com diferenças: no casal mais velho, Philip e Sheila, tomado por cotidiano mais desgastado, o homem oculta da mulher um vínculo; já no mais jovem, composto pelos namorados Greg e Ginny, é a mulher que esconde algo, o que, princípios éticos à parte, parece sinalizar um processo de autonomia feminina na Londres da década de 1960, época delimitada pelo autor e adequadamente mantida nessa montagem.
A verdade vai sendo apresentada, aos poucos, ao público, que passa a se divertir diante dos diversos mal entendidos que se estabelecem nas relações entre os personagens. Ayckbourn demonstra habilidade no aproveitamento cômico de uma situação-base. A direção conjunta de Ary Coslov e Edson Fieschi não se impõe sobre o texto. Ambos valorizam a palavra de Ayckbourn, investem no jogo entre os atores e imprimem um padrão de qualidade à produção, a julgar pela cenografia de Marcos Flaksman – que utiliza as dimensões do palco do Teatro Ginástico para a ambientação do quarto do casal jovem e o aconchegante jardim do casal mais velho, recorrendo também ao recurso do telão pintado como pano de fundo – e pelos figurinos de Marília Carneiro – precisos no desenho dos perfis e das personalidades dos personagens e na escolha das cores. A iluminação de Maneco Quinderé é aberta como convém à comédia e a trilha sonora de Ary Coslov traz à tona o período em que a história transcorre.
Um texto como Relações Aparentes exige entrosamento do elenco e afinação com o registro de humor. Por meio de acento cômico, Frank Borges tira partido, com bom timing e uma dose de exagero, da ingenuidade de Greg. Mesmo sem estampar atuação marcante, Giselle Batista interpreta Ginny com certa desenvoltura. Tato Gabus Mendes busca a medida no jogo proposto pelo autor e confere vigor a Philip. Antonia Frering tenta encontrar variações para Sheila, mas não supera o tom mecânico. Talvez o espaço que a encenação preencha no panorama atual seja mais relevante do que o resultado alcançado. Esta eventual discrepância, porém, não anula os méritos do trabalho.