Teatro de intensidade concentrada
Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler em Caesar – Como Construir um Império (Foto: Leekyung Kim)
Desde que fundou a companhia Club Noir, em São Paulo, o diretor Roberto Alvim vem realizando trabalhos dotados de marcas bastante reconhecíveis, como a iluminação reduzida – um modo de lembrar o espectador da importância de se colocar em estado de disponibilidade para a cena, da necessidade de empreender um esforço para acompanhar espetáculos que não evidenciam imagens à sua frente – e a apropriação de obras de autores (alguns renomados) – concretizada através de recortes ou articulações entre textos destituídos de suas integridades e apresentados em intensidade concentrada. Caesar – Como Construir um Império, montagem em cartaz no Espaço Sesc, preserva essas características. Não significa obrigatoriamente que o encenador esteja se repetindo. A insistência artística pode ser entendida como verticalização de uma determinada concepção de teatro.
Nessa operação sobre a peça de William Shakespeare (Julius Caesar), Roberto Alvim investe na oscilação entre extremos de virulência e suavidade, talvez relacionada ao entrelaçamento entre o homem político, a figura pública que discursa para a multidão, e a esfera do indivíduo. O jogo de contrastes sobressai nos registros de atuação de Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia e na música onipresente, composta por Vladimir Safatle e executada ao vivo pela pianista Mariana Carvalho.
Mas não é “só” o plano das oposições que parece interessar ao diretor. Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia acumulam diferentes personagens. Roberto Alvim, porém, realça a equivalência, o espelhamento, através de figurinos semelhantes – austeros, imponentes –, a cargo de João Pimenta. Os personagens revelam uns aos outros diante da dificuldade de cada um se perceber devido à falta de distanciamento. E, por meio de Shakespeare, o encenador valoriza questões universais, como a afirmação da liberdade (“Prefiro a morte a viver curvado”).
Também não há exatamente um contraponto entre áreas iluminadas, mas mantidas quase na penumbra, e as que permanecem no escuro. A imagem que não é vista pelo público, que não recebe incidência de qualquer luz, ganha destaque no espetáculo de Alvim. A iluminação, do próprio Alvim, traz um fio de neon vermelho e formas geométricas delimitando espaços dentro do cenário, mais uma criação do encenador, que consiste num quadrilátero repleto de moedas e um pequeno palanque.
Eventuais desequilíbrios – Caco Ciocler é mais preciso no manejo da palavra do que Carmo Dalla Vecchia, que nem sempre dosa bem a contundência de suas intervenções – não chegam a prejudicar esse trabalho atravessado pela instigante assinatura de Roberto Alvim.