Síntese da ambiguidade rodrigueana
Cena de Perdoa-me por me Traíres, montagem que acaba de reestrear no Teatro dos Quatro (Foto: PH Costa Blanca)
A predominância de ações clandestinas e desejos ocultos nas trajetórias de parte dos personagens de Perdoa-me por me Traíres parece ter norteado, em certa medida, criações que integram a montagem de Daniel Herz, diretor com experiência no universo rodrigueano, a julgar pelas encenações de Decote, assinada em parceria com Susanna Kruger, com a Cia. Atores de Laura, e, nos últimos tempos, Valsa nº 6.
As jornadas camufladas das adolescentes que flertam com a prostituição ou partem para abortos arriscados e de esposas que mantêm relacionamentos extraconjugais são, de alguma forma, sintetizadas na cenografia de Fernando Mello da Costa, composta por persianas que potencializam o movimento ambíguo dos personagens de expor e esconder. É uma ideia instigante que, porém, talvez pudesse ser um pouco mais aproveitada ao longo da apresentação.
Determinadas opções tiveram resultado comprometido pela disposição espacial do teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. Os recortes triangulares da iluminação de Aurélio de Simoni eram mais bem percebidos pelos espectadores localizados no balcão, problema que não deverá acometer a plateia no Teatro dos Quatro, onde o espetáculo acaba de reestrear. De qualquer modo, a luz não envereda por uma divisão óbvia dos planos contidos na peça e evidencia uso econômico de cores intensas, ao fundo da cena.
O elenco (Bebel Ambrosio, Bob Neri, Clarissa Kahane, Ernani Moraes, Gabriela Rosas, João Marcelo Pallotino, Rose Lima, Tatiana Infante e Wendell Bendelack), em sua maioria, investe em composições realçadas. Há atores (como Bendelack) que superam os limites da tipificação; outros, não. Em todo caso, Gabriela Rosas – em registro mais sutil – se destaca. Em meio à exacerbação, existe espaço para a discrição, a exemplo da direção musical de Ricco Viana.
Perdoa-me por me Traíres, na nova versão de Daniel Herz, reúne concepções propositivas, mas não exatamente impositivas, em relação à peça de Nelson Rodrigues.