Sem atmosfera de ameaça
Tuca Andrada e Denise Fraga em A Visita da Velha Senhora (Foto: Cacá Bernardes)
A influência de Bertolt Brecht impera na encenação de A Visita da Velha Senhora, que termina temporada hoje no teatro Sesc Ginástico, perceptível por meio do destaque a determinadas frases do texto com o intuito de chamar atenção do espectador para a contundência de certas colocações lançadas pelos personagens. Esse recurso imprime um sabor de atualidade à peça de Friedrich Dürenmatt. Nesse sentido, a montagem não se limita a contar uma história, ainda que essa perspectiva não seja desprezada. Brecht, não por acaso, foi um autor visitado pela atriz Denise Fraga em seus últimos trabalhos no teatro – em A Alma Boa de Setsuan e A Vida de Galileu.
A montagem de Luiz Villaça procura fazer um movimento de inclusão do público ao diminuir as distâncias do espectador com a peça e dele com o espetáculo. Além da oportuna evocação de Brecht, a encenação concretiza essa proposta por meio de marcações que extravasam o palco. Os atores transitam pela plateia desde o início, ao entrarem cantando pelos corredores do teatro, e em alguns instantes, como na cena do julgamento. O procedimento, que visa sobressair o teor popular do espetáculo, soa artificial.
De qualquer modo, o espectador ganha a possibilidade de analisar criticamente o texto de Dürrematt a partir da constatação de que todos os personagens estão interpretando – seja Claire Zahanassian, que volta à cidade natal para se vingar de Alfred Krank, que a abandonou grávida muitos anos atrás, e assume perfil exagerado, extravagante, sejam os habitantes da cidade, hipócritas diante de Alfred. A evidenciação do jogo cênico, do caráter de representação, é devidamente realçado na cenografia, que revela os bastidores teatrais e, ao mesmo tempo, se integra à ação ao ser utilizado para valorizar diferentes planos da história.
Mas o que falta à montagem de Luiz Villaça é o crescendo dramático da peça, que desembarca em cena com ligeiras alterações na adaptação de Christine Röhrig, Denise Fraga e Maristela Chelala (a pequena personagem da filha de Alfred foi suprimida). Dürrematt conduz a tensão de maneira admirável, a julgar pela exposição das situações, encerrando os dois primeiros atos em momentos-chave: a oferta de Claire aos moradores da cidade (que matem Alfred em troca de uma grande quantia de dinheiro) e a verificação de Alfred de que não tem como escapar da cidade. Na encenação, o final do segundo ato é particularmente destituído da atmosfera de ameaça. O espetáculo se desenvolve num mesmo diapasão.
Essa uniformização nivela os desempenhos dos atores coadjuvantes – Romis Ferreira, Eduardo Estrela, Maristela Chelala, Renato Caldas, Beto Matos, David Taiyu, Luiz Ramalho, Fernando Neves, Fábio Nassar e Rafael Faustino. Nesse conjunto, Fábio Herford constrói um personagem com contornos mais definidos. Tuca Andrada tenta acentuar a idade por meio de postura curvada e, entre as transições pelas quais Alfred passa, sublinha a resignação diante dos fatos. Denise Fraga potencializa a excentricidade de Claire, protagonista, em si, dotada de traços de caricatura.
O espetáculo se completa com a iluminação de Nadja Naira, que quebra com discrição com a neutralidade por meio do vermelho e fecha ocasionalmente o foco nas passagens intimistas, e com os figurinos de Ronaldo Fraga, que opõem a exuberância de Claire e daqueles ligados a ela à escassez estampada nos moradores da cidade. Essa encenação de A Visita da Velha Senhora não é desprovida de méritos, mas não chega a descortinar uma leitura marcante para o original de Dürrematt.
carmattos
26 de março de 2018 @ 10:46
Mais uma crítica “póstuma” desse meu amigo dos últimos dias…