Retrato da estagnação
Leticia Isnard e Marcelo Valle em Como é Cruel Viver Assim (Foto: Fabio Seixo)
Fernando Ceylão apresenta, em Como é Cruel Viver Assim, um panorama formado por personagens que se envolvem num plano de sequestro para ascender financeiramente. O autor valoriza menos as limitações sociais e econômicas que enfrentam e mais a falta de qualquer perspectiva de vida. Por meio do humor, o dramaturgo realça a pequenez e a estagnação dos personagens, muito distantes de se tornarem grandes criminosos. Não só evita julgá-los como revela certa compaixão por figuras destituídas de projeto minimamente palpável.
O autor demonstra alguma habilidade no desenvolvimento da situação-base, mas não investe num texto aberto a variadas possibilidades de interpretação. Evidencia de modo direto o que tem a dizer sem abrir lacunas a serem preenchidas pelo espectador. Guilherme Piva conduz a montagem com fluência, sem quebras de ritmo, procurando aproveitar as laterais do palco do teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. O diretor conta com elenco (Marcelo Valle, Letícia Isnard, Álamo Facó e Inez Viana) dotado de apreciável timing, que desenha os personagens com precisão, apesar de incorrer em determinadas concessões ao exagero, presentes em composições um tanto expansivas, sublinhadas por excessivo volume vocal (questão referente mais aos atores do que às atrizes).
Aurora dos Campos reconstitui, através de minuciosa cenografia, o interior de uma lavanderia modesta. A cortina transparente que inicia e encerra a encenação aumenta a sensação de se estar diante de um painel, devidamente exposto ao público. O contundente trabalho de som (supervisão musical e desenho de som de Marcelo Alonso Neves, trilha do próprio Ceylão) propicia uma despretensiosa atmosfera cinematográfica. Os figurinos de Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues frisam, de maneira kitsch, os perfis dos personagens. A iluminação de Maneco Quinderé contribui para o bom acabamento do espetáculo.
A montagem de Como é Cruel Viver Assim desponta como uma realização bastante profissional, mas que não tende a suscitar na plateia camadas de leitura para além do que já fica destacado no decorrer da sessão.