Registro reconhecível, mas não idêntico
Existem pontos de aproximação e distanciamento entre A Lista, em cartaz no Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas, e A Alma Imoral, célebre trabalho que vem sendo mostrado há 11 anos. Ambos seguem o formato do monólogo, foram concebidos pela mesma equipe central (a atriz Clarice Niskier e o diretor/supervisor Amir Haddad) e parecem norteados a partir de motivações pessoais (o elo personalizado com o judaísmo, o lugar dos vínculos afetivos em meio às demandas do cotidiano).
As duas encenações colocam o público diante de registros de atuação que se comunicam – em que pesem as mudanças. Em A Alma Imoral, Clarice Niskier assume postura transparente, realçada pelo desnudamento do corpo. Estabelece um diálogo direto, franco, com a plateia tanto ao trazer à tona inquietações próprias quanto ao investir numa estrutura aberta, a exemplo do momento em que atende pedidos dos espectadores e repete trechos do texto do rabino Nilton Bonder. A Lista começa com a presença transparente da atriz. Fora da personagem, ela recebe o público e diz brevemente que se sentiu afetada pela história que vai expor.
Quando a apresentação propriamente dita inicia, Niskier não altera o registro de modo brusco, mas conta com a proteção de uma capa ficcional (apesar do texto ser baseado em fatos reais), algo que não havia em A Alma Imoral. Agora, a atriz está interpretando uma personagem de maneira mais evidente, ainda que sua atuação soe desarmada, desconectada dos habituais códigos de representação – evocados, aliás, intencional e criticamente na passagem em que a personagem assiste a um filme melodramático. Em todo caso, trata-se de uma atriz inserida nas circunstâncias específicas da personagem, transitando entre a narração comprometida e a vivência dos acontecimentos descortinados diante do público.
O texto da canadense Jennifer Tremblay revela, aos poucos, o seu foco: o questionamento da hierarquia de valores, a julgar pela tendência a privilegiar a praticidade, as urgências do dia a dia, em detrimento de um olhar mais cuidadoso para os mais próximos. A autora também credita essa desatenção a uma necessidade de se priorizar em meio a uma sufocante sobrecarga de obrigações domésticas. O texto ganha a cena de forma despojada, com reduzida quantidade de elementos (luminária, banco, cadeira de balança, cabideiro, cesta) compondo a cenografia de Luis Martins. O figurino de Kika Lopes é básico, mas acrescido de peças menos neutras ao longo da sessão, com expressivas soluções sintéticas, como a do pano transformado em manta, que lembram A Alma Imoral.
Os parentescos e as diferenças entre A Lista e o A Alma Imoral sugerem uma coerência e, por outro lado, uma preocupação em não estagnar.