Realidade repleta de disfarces
Cena de O Pão e a Pedra, montagem da Cia. do Latão (Foto: Lenise Pinheiro)
Em O Pão e a Pedra, montagem em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) até a próxima segunda-feira, os integrantes da Companhia do Latão evidenciam vínculo com o universo que abordam – o das greves metalúrgicas no ABC paulista no final dos anos 1970, retratado de modo a suscitar no público um elo com os dias de hoje –, comprovando o caráter político de seu trabalho. Sem perder a conexão com a realidade, o grupo aposta em dramaturgia (assinada pelo diretor Sérgio de Carvalho) que realça a ficção por meio da projeção de trecho de filme e do destaque aos mecanismos de representação através de personagens (a operária ao camuflar sua identidade através de aparência masculina) e situações (o garoto ao brincar de colocar bigode, a outra operária ao esconder a própria gravidez). São momentos que acentuam o jogo dos disfarces, procedimento marcadamente teatral.
A Companhia do Latão conjuga passado e presente ao revelar aqui ecos do Teatro de Arena, em especial no que se refere ao investimento numa dramaturgia voltada para os menos abastados e à tensão entre o dramático e o épico. Esse dado, importante em textos do final da década de 1950 escritos e encenados dentro do grupo fundado por José Renato, se materializa, em O Pão e a Pedra, na oscilação entre a necessidade individual e o bem coletivo e na valorização de pessoas específicas que, porém, simbolizam uma determinada condição sócio-econômica num panorama que as transcende. Não há como deixar de evocar, particularmente, Eles não usam Black-Tie, texto de Gianfrancesco Guarnieri dotado dessas características, cuja montagem alavancou a trajetória do Arena em 1958. Na adaptação para o cinema, pouco mais de 20 anos depois, Leon Hirszman alterou o contexto original da peça (uma favela do Rio de Janeiro) para o das greves do ABC, o mesmo de O Pão e a Pedra.
A dramaturgia traz a alternância entre a narração – em certo instante, o público é informado de que Luiz Inácio Lula da Silva será mencionado, mas não interpretado por algum ator, talvez pelo fato de o foco do texto recair sobre homens e mulheres comuns e não sobre líderes – e a vivência – cabendo assinalar a imersão dos atores (Beto Matos, Debora Rebecchi, Érika Rocha, Helena Albergaria, João Filho, Ney Piacentini, Rogério Bandeira, Sol Faganello e Thiago França) nas circunstâncias lançadas pelo texto. Espetáculo que não reproduz o real, mas dialoga com essa esfera, O Pão e a Pedra sugere fragmentos de ambientes significativos para os personagens, tanto no que diz respeito ao mundo do trabalho quanto à breve suspensão do cotidiano duro, na cenografia de Cassio Brasil, composta por uma estrutura circular e por elementos dispostos ao redor (armário de vestiário, pedaços de carros, tanque, miniatura de roda gigante). A direção musical de Lincoln Antonio, executada ao vivo, influencia decisivamente na temperatura da cena e na construção de atmosferas.