Realidade distante da moldura realista
Suzana Nascimento, Carolina Pismel e Pri Helena em Os Impostores (Foto: Elisa Mendes)
Os Impostores sinaliza uma transição da dramaturgia de Gustavo Pinheiro (aqui assinando o texto em parceria com o diretor Rodrigo Portella), que se distancia do registro realista, apesar da preocupação em suscitar elos com os dias de hoje – característica que, inclusive, possibilita traçar conexões com seus textos anteriores. Mas Pinheiro não investe em determinados recursos recorrentes em sua obra, como o da revelação movimentando o desenlace da trama.
Nessa nova peça, os autores enveredam por certo contraste entre uma circunstância algo fantástica – personagens confinados num bunker como forma de sobreviver num mundo apocalíptico, uma noção de tempo expandida, constatada na figura da governanta, que trabalha com a família há um período bem maior que uma existência pode compreender – e a concretude das questões atuais que vêm à tona no decorrer do texto – a devastação da natureza, a falta de consciência de uma aristocracia que faz valer seu poder de classe sobre os oprimidos, a disseminação de templos religiosos. O destaque à religião como estratégia econômica e a presença do personagem que chega de fora e se insere num núcleo familiar, desestabilizando-o ainda mais, remetem, longinquamente, ao Tartufo, de Molière.
Os autores descortinam, aos poucos, a situação e os personagens diante do público. A partir de dado momento, evidenciam temáticas e discursos, a exemplo do instante em que um dos personagens, ao ser confrontado com a verdade, reivindica o direito de se manter alienado. A peça oscila, sem muita dosagem, entre o enigmático e o sublinhado, mas sustenta o interesse até o final.
Rodrigo Portella, diretor da montagem em cartaz até domingo no Teatro Sesc Ginástico, acentua, com habilidade, o afastamento de uma moldura tradicionalmente realista, proposta que atravessa as criações que integram a encenação, a julgar pela concepção cenográfica estilizada, de Julia Deccache, pelos inventivos figurinos de Tiago Ribeiro e pelo aproveitamento da extensão do palco, que, sem a habitual delimitação de ambientes, expõe parte da coxia, frisando o caráter teatral, sem ambicionar a reconstituição de espaços identificáveis na vida.
A linha interpretativa é expansiva, mas precisa, tanto no que se refere ao modo como os atores (Carolina Pismel, Guilherme Piva, Murilo Sampaio, Pri Helena, Suzana Nascimento e Tairone Vale) destilam a ironia contida no texto quanto a uma direção de movimento (preparação corporal de Toni Rodrigues) que parece concebida em sentido oposto ao da reprodução da gestualidade cotidiana. Mas também há lugar para a atuação mais discreta, menos voltada para um resultado imediato junto ao público, relacionada à permanência do idealismo.