Quase tudo conforme o esperado
Ana Lucia Torre e Ary Fontoura em Num Lago Dourado (Foto: João Caldas)
Peça de Ernest Thompson, Num Lago Dourado segue à risca um modelo dramatúrgico convencional – o de uma comédia doce-amarga e sentimental, que tende a seduzir o espectador por meio da exposição de reconhecíveis elos afetivos – e praticamente determina um formato de produção também tradicional – obediente ao realismo do texto, característica que favorece a identificação imediata da plateia.
Centrada numa das muitas temporadas de verão de um casal, agora idoso, Norman e Ethel, numa propriedade à beira de um lago, a peça destaca o vínculo do patriarca com a filha, Chelsea, e com um adolescente, Billy Ray Jr., enteado da filha, que acaba estendendo sua permanência na bucólica região. Mas tanto os embates entre Norman e Chelsea, que não teria cumprido as expectativas dele, quanto o contato entre Billy Ray Jr. e Norman, que, apesar do choque de gerações (ou justamente por isso), estabelecem parceria cada vez mais amistosa, não sinalizam novidades em relação aos diversos textos sobre conflitos familiares.
Nessa versão de Célia Forte, Num Lago Dourado é atualizado com referências a aparatos tecnológicos que fazem parte do cotidiano do adolescente. No mais, o diretor Elias Andreato apresenta o esperado: uma montagem destituída de obstáculos à apreciação, conforme pede o texto, e que serve de veículo a um ator experiente. O cenário de Marco Lima evidencia filiação à corrente realista ao reconstituir a aconchegante sala da casa onde os personagens se reúnem e fornecer, ao fundo, ilustração do lago. Os figurinos de Fause Haten localizam, sem caricaturar, os personagens, imprimindo algum relevo à Ethel, vestida com sobreposições de rosa. A iluminação de Wagner Freire está integrada a essa ambientação, mas sem se prender ao realismo como camisa de força – há rápidas aberturas para o poético, a exemplo da última cena. A música de Miguel Briamonte é mais interveniente que o necessário ao sublinhar instantes e realçar elipses. Eventuais passagens de tempo, inclusive, podem causar certo estranhamento sem, porém, ameaçarem a fruição.
Em todo caso, essa encenação de Num Lago Dourado se justifica pela atuação de Ary Fontoura, que valoriza não “apenas” as oportunidades lançadas pela peça como momentos que não parecem particularmente inspirados em termos de dramaturgia. Ana Lucia Torre dribla com habilidade, por meio de presença empática, as limitações de uma personagem como Ethel, que ampara o marido e administra o próprio sofrimento diante da crescente fragilidade da saúde dele. Tatiana de Marca se mostra linear, com poucas variações interpretativas, como Chelsea. André Garolli, como Bill Ray, marido de Chelsea, tem uma boa cena de confronto direto com Norman. Lucas Abdo soa espontâneo como Billy Ray Jr., mas seu sotaque acentuado chama atenção. Fabiano Augusto faz discreta participação como o carteiro Charlie.
Mesmo sem revelar elementos diferenciais significativos na abordagem de seu universo temático, Num Lago Dourado é um texto que mantém intacta a comunicabilidade com o espectador. Essa montagem soma pontos com a atuação magnetizante de Ary Fontoura, que anima um quadro marcado pela previsibilidade.