Quando a encenação supera o texto
Guilherme Leme Garcia e Ana Beatriz Nogueira em Uma Relação Pornográfica (Foto: Marcelo Correa)
As lembranças vêm à tona por meio de acréscimos e subtrações em relação aos fatos vivenciados. Não por acaso, os personagens do texto do iraniano Philippe Blasband – que transportou para o teatro a história que concebeu sob a forma de roteiro no filme de Frédéric Fonteyne, de 1999 – evocam, de modos distintos, acontecimentos que partilharam. Ambos expõem o relacionamento que mantiveram durante algum tempo, desde que se conheceram até o término do convívio. Blasband coloca o espectador diante de um homem e uma mulher que travam contato baseado em sexo descompromissado – estabelecem que não devem perguntar nada sobre a vida pessoal um do outro –, mas que, a partir de dado momento, não conseguem frear o elo afetivo.
A montagem de Victor Garcia Peralta – que estreou no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil e segue em temporada no Teatro do Leblon – Sala Tônia Carrero – supera em qualidade o texto de Blasband, que tem desenvolvimento previsível. O recurso dramatúrgico da proposital ocultação da fantasia sexual da mulher resulta como estímulo pouco refinado à imaginação do espectador. Peralta assina uma encenação sem excessos, na qual imperam os movimentos contidos. Sobressai certa austeridade nas marcações, a exemplo da disposição frequentemente frontal dos atores, que, sem se olharem, relatam sobre o relacionamento ao público.
Há uma evidente harmonia entre os elementos que integram o espetáculo. A cenografia (a cargo de Victor Garcia Peralta e Guilherme Leme Garcia), bastante reduzida, é composta por cadeiras de escritório, suficientes para sugerir ambiente asséptico, opção que desponta como habilidosa oposição à narração de intimidades. Nos figurinos (dos próprios atores, Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia) predomina o preto. Essa neutralidade é intencionalmente contrastada com a inserção da cor na iluminação de Maneco Quinderé, que recorta os corpos dos atores diante da tela localizada no fundo do palco.
Os atores também demonstram sintonia em cena. Guilherme Leme Garcia constrói reações decorrentes da escuta, revela controle das emoções e alterna serenidade e perplexidade. Ana Beatriz Nogueira se apresenta com porte, com elegância que, porém, não esfria sua atuação. Ao contrário, a atriz busca aproximar o texto do espectador, mas sem enveredar por concessões, e realça comprometimento emocional em suas falas. As experiências passadas da personagem, descortinadas diante da plateia, ganham notável sentido de atualidade na interpretação minuciosa de Ana Beatriz Nogueira.