Projeto simpático, realização frágil
Rômulo Rodrigues e Ana Berttines em Boca Molhada de Paixão Calada (Foto: Fernanda Sabença)
Mais do que destacar o acerto de contas de um casal (Antonio e Camila), em Boca Molhada de Paixão Calada Leilah Assunção aborda dois momentos próximos da história brasileira: a atmosfera efervescente dos anos 1960 (evocada com algum saudosismo, mas sem deixar de lembrar que o país sofreu com os desmandos da ditadura militar, especialmente após o AI-5) e a transição da década de 1970 para 1980 (a julgar por referências à Anistia e às greves metalúrgicas no ABC paulista). Poucos anos separam o período rememorado do presente – o suficiente, porém, para certa desilusão se instalar: enquanto Camila continua disposta a defender grandes causas, Antonio se tornou menos idealista. Concentra-se agora em reivindicar por circunstâncias diretamente atreladas ao seu cotidiano, a exemplo da ameaça à praça perto de sua casa.
Escrito na primeira metade da década de 1980, o texto de Leilah Assunção – que já ganhou espetáculo com Herson Capri e Malú Rocha, em 1990 – volta aos palcos cariocas em montagem da Cia. Escaramucha, atualmente em cartaz na Sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim. O resultado dessa encenação de Márcio Vieira é bastante modesto. Ana Berttines e Rômulo Rodrigues evidenciam determinadas limitações. Se a atriz interpreta de maneira linear, sem imprimir colorido ao texto, o ator não estabelece presença orgânica, revelando dificuldade em se apropriar do material dramatúrgico. A concepção da cena não é inspirada, problema que não decorre das restritas dimensões do espaço. O cenário de Danielle Geamal, composto basicamente por um sofá e uma cortina, ambos de gosto duvidoso, não auxiliam os atores, que manipulam os gomos que integram o sofá sem, com isto, produzirem imagens sugestivas. Os figurinos, também de Geamal, são pouco expressivos ou inadequados. A iluminação de Djalma Amaral contrasta as cenas de discussão do casal com os instantes em que dão vazão a fantasias.
Apesar da simpatia da proposta, considerando a preocupação do grupo em valorizar textos de dramaturgos brasileiros importantes (a companhia apresentou antes Quando as Máquinas Param, de Plínio Marcos), essa nova montagem de Boca Molhada de Paixão Calada surge como uma realização ainda frágil.