Presença de Domingos
Priscila Steinman interpreta Rita Formiga na montagem em cartaz no Teatro Poeirinha (Foto: Rafael Blasi)
Rita Formiga, na nova versão assinada por Fernando Philbert, atualmente em cartaz no Teatro Poeirinha, conta com um prólogo que traz o próprio Domingos Oliveira, autor do texto, em vídeo, num depoimento em que frisa a falta de conexão entre a inteligência e determinado extrato social. Além de pertinente, essa visão expressa, em certa medida, a postura artística de Domingos, que, ao longo do tempo, vem demonstrando habilidade para dizer grandes verdades de maneira simples, coloquial, despretensiosa, sem qualquer ostentação de erudição.
A participação de Domingos não se restringe ao vídeo de abertura. Afinal, ele é personagem de seu texto e narra em off as incursões de Rita – diretamente inspirada na atriz Maria Gladys –, que frequentou seu apartamento com frequência assídua e pontual (aparecia sempre na mesma faixa de horário do dia) para usar o telefone. As conversas da amiga ao telefone giram em torno de relações amorosas meteóricas, de homens com os quais estabelece contato, mas não intimidade, nas noites fervilhantes passadas nos bares. Por meio da figura de Rita, Domingos traça um painel de uma fase efervescente (a década de 1960), tanto no que se refere à afetividade quanto à produção cultural – há rápidas citações, como ao filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, a partir das menções às atrizes Yoná Magalhães e Sonia dos Humildes, e à montagem de Chão dos Penitentes, de Francisco Pereira da Silva, encenada pelo Teatro Jovem, sob a direção de Kleber Santos.
Domingos Oliveira é lembrado ainda na cenografia de Natália Lana, que coloca a plateia diante de um recorte de apartamento emoldurado por pôsteres de filmes realizados por Domingos no decorrer dos anos – uma proposta, porém, que não chega a transmitir ao público o aroma de uma época. A atmosfera algo nostálgica está mais presente na recriação do universo boêmio de Rita, sugerido, dentro dos limites impostos pela dramaturgia, na composição (em especial, de voz) de Priscila Steinman. A atriz recebe os espectadores na entrada do teatro e depois do vídeo ressurge como Rita. Apesar da transição explícita, o registro informal é mantido durante a encenação.