Pessoalidade suavizada
Frank Borges em Casa Encaixotada, em cartaz no Teatro Poeirinha (Foto: Patricia Cividanes)
Em Casa Encaixotada, montagem em cartaz no Teatro Poeirinha, Frank Borges, que acumula as funções de ator, autor e cenógrafo (em parceria com o diretor Ruy Filho), se vale de determinados procedimentos para não assumir frontalmente o registro em primeira pessoa, ainda que não negue o caráter familiar do projeto. Em cena, porta uma identidade fictícia (Ben) e quase não faz referência direta a si mesmo (num dos raros instantes, ao localizar uma cicatriz no próprio corpo). Por meio das figuras de um pai invisível (representado por um paletó) e uma mãe onipresente (voz em off), casal em eterno desajuste, o autor traz à tona a casa como espaço simbólico de um passado que permanece vivo dentro dele.
Frank Borges entrelaça a evocação de experiências particulares com fatos históricos, mas sem perder de vista a natureza intimista da proposta e sem enveredar pelo realismo, característica da dramaturgia valorizada pela direção. É como se os flashes do mundo externo realçassem, parcialmente, a impressão de que se trata de um personagem assombrado pelo mundo interno, a julgar por suas constantes crises de raiva em breves momentos catárticos. Como autor, talvez Frank Borges pudesse afirmar de maneira mais contundente o teor pessoal, sem com isso abrir mão da construção refinada do texto. Como ator, transita com habilidade pelos estados do personagem.
A cenografia parece materializar, em certo grau, o plano mental do personagem. Elementos principais do cenário, os rolos de fita-adesiva não se limitam a demarcar o espaço, mas, da forma como são manipulados, sugerem o desordenado e labiríntico movimento do pensamento. Não por acaso, a cena fica mais poluída à medida que o espetáculo avança. A iluminação, também a cargo de Ruy Filho, é suave durante boa parte do tempo sem chegar a se tornar “dura” nas passagens mais abertas.