Perversão e culpa em Arrabal
Fando e Lis, montagem de Vinicius Arneiro em cartaz no Teatro Poeirinha (Foto: Sergio Baia)
Diretor normalmente voltado para a dramaturgia contemporânea (a julgar pelas peças de Jô Bilac, encenadas por sua Companhia Teatro Independente), Vinicius Arneiro se debruça agora sobre Fando e Lis, texto do espanhol José Arrabal escrito em 1955 e transportado para o cinema pelo chileno Alejandro Jodorowsky em 1968, momento em que ambos já tinham travado parceria por meio do Grupo Pânico, fundado por eles e por Roland Topor, em 1962.
Fando e Lis destaca a tortuosa travessia dos protagonistas em direção à cidade de Tar, dimensionada como uma espécie de destino utópico. Determinadas características (a descrição de Tar como local inatingível e a configuração de cada personagem) aproximam, inevitavelmente, essa peça de Arrabal da obra de Samuel Beckett, em especial Esperando Godot.
Se o filme de Jodorowsky conta com instigante experimentação estética (favorecida, claro, pelas possibilidades cinematográficas), a montagem de Arneiro, escorada em tradução de Eduardo Vaccari, extrai sua força do conflito entre os personagens centrais, no que se refere à mescla de perversão e culpa externado por Fando acerca de Lis. Entretanto, certas escolhas – como Fando ser interpretado por uma atriz e os andarilhos, acumulados por um mesmo ator – não chegam a imprimir uma nova leitura sobre a obra.
Vinicius Arneiro investe numa cena sintética, composta por poucos elementos (cenografia de Paula Cruz). Uma voz em off não se limita a sublinhar rubricas, mas complementa a imagem em relação ao que se vê no palco do Teatro Poeirinha. Os figurinos (de Flavia Costa), em sintonia com o cenário, evidenciam coerência cromática, no que diz respeito ao predomínio por cores neutras. A iluminação de Jorginho de Carvalho desenha, de forma expressiva, o percurso atravessado por Fando e Lis. A trilha sonora de Pedro Curvell soa algo reiterativa no início, quando parece confirmar os estados emocionais das personagens; adquire, contudo, voo autônomo a partir de dado instante. As atrizes Ana Fazza e Natália Garcez realçam a autoridade e a fragilidade de figuras em constantes embates. Leonardo Hinckel adota tom coloquial – que, porém, não uniformiza as variações buscadas no trabalho sobre o texto – e notado acento de humor.