Palavra distante da tradição
Gisele Fróes em O Imortal, em cartaz até domingo no Teatro III do CCBB (Foto: Ismael Monticelli)
O Imortal, encenação que encerra temporada no próximo domingo no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil, insinua não exatamente algo de novo na trajetória dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães, mas evidencia uma aproximação mais direta de ambos, que costumam investigar a interseção entre o teatro e as artes plásticas, em relação à palavra.
Não se trata, porém, de uma abordagem convencional da palavra – a dramaturgia decorre de operações (a cargo de Adriano Guimarães e Patrick Pessoa) sobre o conto original (da coletânea O Aleph) de Jorge Luís Borges. Essa dessacralização do texto é potencializada pela cenografia (de Adriano Guimarães e Ismael Monticelli) composta por diversas caixas de livros, espalhados de maneira desorganizada pelo espaço. A disposição caótica sugere um repertório que resulta da apropriação de múltiplas obras, ao invés da obediência à integralidade de um único texto. Ainda assim, o estatismo da cena – relativizado, até certo ponto, pela discreta transição da iluminação de Dalton Camargos ao final – difere de outros espetáculos dos Irmãos Guimarães e realça o lugar da palavra na montagem.
O destaque a uma palavra distanciada de um tratamento acadêmico também sobressai na interpretação de Gisele Fróes, que presentifica o texto no sentido de conferir atualidade aos “conteúdos” da obra de Borges: o fascínio pela descoberta da cidade fantástica, o estupor frente à constatação de que tudo é distinto do modo como pensava, a necessidade de viver intensamente a partir da percepção de que a morte pode acontecer no momento seguinte. Há uma instantaneidade na atuação de Gisele Fróes, que transmite a sensação de dito no aqui/agora diante do público. Não por acaso, a atriz quebra a quarta parede, problematizando o divórcio entre espaço da cena e da plateia, por mais que essa separação não seja abolida ao longo da apresentação. O trabalho de Gisele Fróes está fundado numa espontaneidade construída.
O Imortal tangencia a tradição ao sinalizar um maior apego ao texto – pelo menos, na comparação com espetáculos anteriores dos Irmãos Guimarães, que não desvalorizavam a dramaturgia verbal, mas a traziam embutida em criações estéticas arrojadas. Por outro lado, afasta-se da tradição pela forma como projeta a palavra, tanto no que se refere à obra quanto ao registro interpretativo.