Painel singelo e melancólico
Em Rainhas do Orinoco, montagem em cartaz no Sesc Ginástico até o próximo domingo, Gabriel Villela volta a promover uma conexão entre o caráter artesanal da cena e a temática do ofício do ator antigo. Esse elo foi destacado em espetáculos anteriores do diretor, como Vem buscar-me que ainda sou teu, de Carlos Alberto Soffredini, evocação do universo do circo-teatro, e O Mambembe, de Artur Azevedo, sobre o cotidiano e funcionamento interno de uma companhia empresariada do teatro de priscas eras.
Texto do mexicano Emilio Carballido, Orinoco coloca o leitor/espectador diante de duas atrizes, Mina e Fifi, de faixas etárias diversas, mas atravessando fase igualmente decadente, melancólica, de suas carreiras. Navegando pelo rio que intitula a peça, elas não conseguem mais exercer o trabalho em ambiente artístico propício. Apesar da realidade se impor da mesma maneira para ambas, cada uma delas lida de modo distinto. Enquanto Mina é um pouco mais centrada no que se refere às perspectivas, Fifi conserva certa dose de idealização, de romantismo. Essas especificidades estão presentes nas atuações de Walderez de Barros – que opta por linha mais contida, com domínio do tempo dramático e frescor na construção de Mina – e Luciana Carnieli – que envereda por tradição caricata, com fluência no manejo do humor –, com Dagoberto Feliz mais focado no acompanhamento musical (é responsável pela trilha sonora ao lado de Babaya).
O espetáculo traz a habitual excelência de Gabriel Villela nos setores do cenário e dos figurinos. Assinados pelo próprio Villela, os figurinos encantam com o detalhamento, o rendilhado, elementos decorrentes da cultura do interior mineiro que tanto norteia o encenador. A cenografia de William Pereira também desponta como uma criação bastante minuciosa, que assume o artificial por meio de belas proposições: as duas cortinas, uma fixa, notadamente fake, com signos tropicais, e outra móvel, a tela de fundo que emoldura a cena, as flores coloridas dispostas no proscênio, o barco onde as personagens se encontram e a rosa dos ventos impressa no chão. Esses dois quesitos (complementados pelos adereços de Shicó do Mamulengo) são, sem dúvida, componentes de qualidade da montagem, mas se sobrepõem a tudo mais, provocando desnível.
Gabriel Villela demonstra dificuldade para fazer com que o texto de Carballido, concebido com evidente inspiração no mundo do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, ganhe vida no palco. O diretor mantém a montagem em registro discursivo, realçado por marcações frontais, sem sinalizar a intenção de investir em austeridade, possível contraponto em relação à sedução visual gerada pela encenação. Ainda assim, Rainhas do Orinoco pode conquistar como uma montagem musicada em tom menor (direção musical de Babaya), singela, na contramão do espetacular. A iluminação de Caetano Vilela é adequadamente discreta, expressiva.