O tempo irrecuperável
Ludmila Rosa e Bernardo Marinho em A Outra Cidade, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (Foto: Alcinoo Giandinoto)
Em A Outra Cidade, Pedro Brício coloca o público diante de um concentrado de tempos. Numa esfera mais evidente, insere no texto referências a elementos dos dias de hoje (aparatos tecnológicos) que contrastam com a evocação do antigo materializada em objetos da cenografia (direção de arte de Rui Cortez) e num sopro nostálgico potencializado pela trilha sonora (de Felipe Storino). Entretanto, o que desponta como mais importante nessa nova peça é a percepção daquilo que passou e, portanto, não volta. Um passado que, conhecido ou idealizado, continua vivo “tão-somente” dentro de cada um – a juventude, a figura de uma mãe morta. Em breve, a pequena cidade, invadida pela água, também existirá “apenas” nas lembranças de seus moradores.
Pedro Brício, dramaturgo e diretor do espetáculo, não concebeu a peça de forma exatamente linear, mas é possível notar com clareza a progressão dos acontecimentos (a crescente dificuldade para ficar na cidade, o desenrolar dos elos afetivos), a definição dos personagens dentro do quadro familiar e o foco temático (a abordagem do tempo, conforme já destacado). O autor estruturou o texto por meio de uma oscilação nítida entre a realidade e o universo particular, de devaneios, do protagonista, que, apesar de seguir atado à figura da mãe (falecida em seu parto), se mostra menos melancólico do que dizem os personagens em relação a ele.
A montagem de A Outra Cidade celebra os dez anos da Zeppelin, companhia distante da formação convencional (diretor e atores): além de Brício, é composta por Rui Cortez (diretor de arte), Tomás Ribas (iluminador) e Isabel Cavalcanti (atriz). Sua plataforma principal é a encenação de textos brasileiros contemporâneos – Fim de Partida, de Samuel Beckett é exceção –, tanto de origem teatral – todos escritos por Brício, casos de O Homem que era Sábado, A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica, Cine-Teatro Limite (com o qual A Outra Cidade talvez guarde mais parentesco) e Me Salve, Musical! – quanto literários – O Caderno Rosa de Lori Lamby, de Hilda Hilst, e Acqua Toffana, de Patrícia Melo.
O acúmulo de funções (Pedro Brício assina a direção) deve ter contribuído para a integração entre os componentes cênicos, impressão que permanece até nos pontos de “atrito”, a exemplo da iluminação de Tomás Ribas, que quebra, em certa medida, com as variantes de tom pastel da cenografia (repleta de cortinas transparentes, algumas sugerindo vela de navio, e móveis, delineando recortes de ambientes) e dos figurinos (um pouco mais escuros, entre o cinza e o marrom, para o protagonista, e com discreta inclusão do azul) através de cores mais intensas. E a luz sugere atmosfera onírica, sintonizada com o movimento do texto que valoriza o mundo imaginário, pessoal, sem perder de vista a perspectiva do real.
À condução do próprio autor cabe creditar o entrosamento do elenco, mesmo que as maiores oportunidades recaiam sobre Bernardo Marinho, que projeta a inquietação do adolescente e injeta colorido nos momentos de introspecção e nos de exposição dos vínculos distintos travados com os familiares. Os demais atores apresentam bons trabalhos (em especial, Sávio Moll), minimizados, porém, pelo fato de a peça não propiciar propriamente construções mais verticalizadas. Seja como for, Pedro Brício empreende, em A Outra Cidade, um doloroso balanço.
Maria Helena Oswaldo Cruz
11 de novembro de 2013 @ 16:35
A peça é excelente! Vibrante e objetiva, desvenda um caminho impensável para o espectador. Os atores são expressivos e dão conta do recado, emocionando a todos.