O teatro colocado em questão
Efeito de foto: os atores não aparecem em cena em O que você vai ver (Foto: Carlos Cabéra)
A realização de O que você vai ver – apropriação dramatúrgica de Rodrigo Nogueira para peça radiofônica de Samuel Beckett – traz à tona um oportuno debate centrado no questionamento da sobrevivência do ato teatral diante da ausência do ator em cena. Os atores se encontram no teatro, mas não no palco. O único registro que há da presença deles é a voz; os atores leem o texto nos bastidores e o público escuta frente, inicialmente, à cortina fechada. Ainda que os atores não surjam diante da plateia em nenhum momento (em que medida este dado inviabiliza a existência de teatro?), fica preservada uma das características normalmente atribuídas a essa manifestação artística: o de acontecimento ao vivo diante do público.
Como no rádio, os atores de O que você vai ver assumem as funções de dubladores que, devido à falta de imagens, procuram estimular, através de suas vozes, a imaginação do espectador. O objetivo é levar cada espectador/ouvinte a criar suas próprias imagens. Em determinado momento, a cortina é aberta e o palco aparece vazio. Um pouco mais adiante, elementos cenográficos (cadeiras, malas) que sugerem ambientação de estação de trem são inseridos (cenário de Elsa Romero). Há também uma proposta de luz (de Wagner Freire) para a cena. “Apenas” os atores não surgem em meio a essa concepção. Entretanto, eles se fazem particularmente presentes em certos instantes, nos quais evidenciam estarem vendo os espectadores, ao contrário destes, que têm acesso interditado aos atores. A experiência de O que você vai ver (que reúne, no Teatro Ipanema, integrantes das companhias dos Atores e Pequena Orquestra) lembra, portanto, que os atores exercem posição mais poderosa que o público – nesse caso, retirado de uma apreciação passiva, confortável.
Inez Viana sustenta a aridez intencionada (durante alguns minutos o teatro permanece na penumbra, com a luz direcionada para as cortinas fechadas) e, ao mesmo tempo, dinamiza a cena a partir do instante em que objetos despontam no palco. É possível reconhecer, pelo menos, um de seus procedimentos anteriores – a utilização de biombos móveis para inserir elementos, empregado na montagem de As Conchambranças de Quaderna. Mas o que torna O que você vai ver mais instigante como proposta do que como resultado é a perceptível dificuldade dos atores (César Augusto, Fabricio Belzoff, Joana Lerner, Marcelo Valle, Michel Blois, Nanda Félix e Rodrigo Nogueira) na prática da dublagem. As composições vocais soam apressadas, como que limitadas a falsetes. Seja como for, o trabalho realça bem-vinda inquietação de seus realizadores.