O fio invisível do tempo
Vicente Coelho em montagem centrada no jogo de espelhamento (Foto: Guga Melgar)
Dulce Penna de Miranda, diretora e responsável pelo argumento da montagem de 201, aborda o cotidiano de dois moradores de um apartamento, que viveram nele em períodos diversos e, portanto, jamais se veem ou interagem. Ambos, porém, parecem atados por uma espécie de fio invisível, perspectiva que remete ao filme A Dupla Vida de Veronique, de Kryzstof Kieslowski.
O público acompanha o dia-a-dia dos personagens, marcado não exatamente pela repetição – uma vez que as inevitáveis alterações nas pequenas ações que se executa já faz com que sejam diferentes –, e sim pela perpetuação de uma lógica de funcionamento. Eventuais acontecimentos excepcionais provocam uma suspensão que modifica – mas não anula – a mecânica do cotidiano.
O jogo de espelhamento entre os personagens é estendido aos espectadores, divididos em dois grupos, posicionados em lados opostos da sala, um de frente para o outro com a cena disposta no meio. Além de assistir à cena, uma metade da plateia observa a outra no decorrer da apresentação. Uma disposição que inevitavelmente leva os espectadores, dependendo do lado em que estiverem sentados, a registrar mais as ações de um ou de outro personagem. A “limitação”, ao contrário de trazer qualquer prejuízo à apreciação, lembra, de modo oportuno, que ver implica sempre numa perda.
A cenografia, a cargo da própria Dulce Penna de Miranda, duplica o espaço do apartamento, dotado, contudo, de especificidades, de acordo com o universo de cada um dos moradores. A iluminação de Alessandro Boschini e Diego Diener valoriza a fusão entre os personagens ao promover uma sobreposição de suas imagens em determinados instantes. A trilha sonora, de Arthur Ferreira e Vicente Coelho, também realça o elo entre os personagens.
Os atores João Lucas Romero, Ricardo Leite Lopes e Vicente Coelho constroem personagens bastante reconhecíveis, preenchendo as lacunas de um texto propositadamente destituído de falas extraordinárias e tomado por ocasionais – mas expressivos – momentos de silêncio. Projeto de conclusão do curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 201 é um trabalho instigante que encontra lugar singular no panorama do Rio de Janeiro e, por isso, deve ser conferido em suas últimas apresentações na Sala Paraíso do Teatro Carlos Gomes.