O habitual rigor da Dos à Deux
Cena de Irmãos de Sangue, espetáculo em cartaz no Teatro I do CCBB (Foto: Xavier Cantat)
No panorama teatral do Rio de Janeiro, a Cia. Dos à Deux, conduzida por André Curti e Artur Ribeiro, se impôs graças à especificidade do trabalho – a realização de espetáculos destituídos de texto verbal – e à competência na execução dessa proposta – evidenciada por meio da criação de imagens cênicas atraentes. O objetivo de Curti e Ribeiro não é anular a dramaturgia, e sim ampliá-la através da valorização do texto não-dito. Irmãos de Sangue, nova encenação atualmente em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), confirma as principais características do grupo, o que não significa que não seja possível perceber determinadas nuances nessa montagem em relação às anteriores.
Nesse espetáculo, por exemplo, não existe propriamente uma preocupação com a evolução de um enredo. André Curti e Artur Ribeiro (que acumulam as funções de direção, dramaturgia, cenário e coreografia, além de estarem presentes como atores) concentram o foco na infância, evocada por irmãos a partir da morte do pai. Este ponto inicial dimensiona a memória como construção – diretamente influenciada pelo modo peculiar como aquele que lembra vivenciou os fatos – e não como reconstituição de acontecimentos tais como se deram. Curti e Ribeiro se mostram menos voltados para a tarefa de contar uma história do que em descortinar diante do público um painel doce-amargo de uma fase intensa.
A ausência de texto verbal encaminha os criadores rumo a uma ânsia por preenchimento da cena – através da ação e da música. Como outras montagens da Cia. Dos à Deux, Irmãos de Sangue deixa certa sensação de excesso, mais marcante, porém, na primeira metade. Em dado instante, os diretores interrompem o uso até então ininterrupto da trilha sonora (a cargo de Fernando Mota), uma bem-vinda decisão. Os elementos que compõem a encenação são utilizados de forma surpreendente. Cabe destacar a mesa giratória e o balanço na cenografia; o contraste entre trajes de base masculinos (camiseta e calça com suspensórios) e vibrantes vestidos femininos nos figurinos (de Natacha Belova), assim como o casaco de onde saem fios; a iluminação (de Bertrand Perez e Artur Ribeiro) que preserva a sutileza ao manter muitas cenas na penumbra; e o domínio no manejo de técnicas – em especial, a manipulação de bonecos (as marionetes também são de Belova).
Os atores (Curti e Ribeiro, Cécile Givernet e Matias Chebel) tendem a comover o espectador pela expressividade da cena e pela habilidade em projetar os sentimentos que movem os personagens, mas talvez o teatro gestual desenvolvido pela companhia ainda pudesse se afastar mais de uma instância coreográfica. Em todo caso, Irmãos de Sangue é mais uma prova do rigor da Cia. Dos à Deux.