O avô eterno
Clarissa Kahane em Meu Saba, monólogo que encerra temporada no Espaço Cultural Sergio Porto no próximo domingo (Foto: Olívia D’Agnoluzzo)
Há conexões bastante visíveis entre Meu Saba, encenação em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto, e O Filho Eterno: ambos são monólogos, assinados pelo mesmo diretor (Daniel Herz), inspirados em livros centrados em experiências reais (Em Nome da Dor e da Esperança, de Noa Ben Artzi, no caso da montagem atual, O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza, no da anterior) e norteados por elos familiares (entre neta e avô, no espetáculo de agora, entre pai e filho, no de antes).
Mas enquanto O Filho Eterno trazia à tona o processo de aceitação vivenciado pelo pai em relação ao filho com Síndrome de Down, bem como o fortalecimento do vínculo entre os dois, Meu Saba destaca a reverberação íntima do assassinato de Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, em sua neta, a já mencionada Noa, dimensão afetiva sintetizada no título do espetáculo, que significa “meu avô” em hebraico. A dramaturgia decorrente da adaptação do livro de Noa – realizada pelo próprio Herz, pela atriz Clarissa Kahane e por Evelyn Disitzer – transita entre as esferas pública e privada ao delimitar claramente dois planos: a difícil caminhada de Noa ao microfone para fazer discurso em homenagem ao avô recém-falecido e todo o fluxo de memórias que a invade durante esse simples – mas doloroso – trajeto.
A montagem de Daniel Herz é estruturada a partir da alternância algo previsível entre esses planos, dispostos, contudo, em cena limpa. Seja como for, as criações autorais que integram Meu Saba não ficam limitadas a sublinhar as referidas circunstâncias que se encontram na base do texto. Sem enveredar por soluções óbvias, a iluminação de Aurélio Di Simoni oscila entre a sobriedade do percurso de Noa rumo ao palanque e uma explosão de cores na evocação de lembranças intensas. A cenografia de Bia Junqueira – que, como de hábito, propõe articulações com o texto, ao invés de reiterá-lo – é composta por tijolos recobertos por superfície de madeira e um microfone/arma, elemento representativo dos conflitos na região. A música de Antonio Saraiva gera estado de suspensão na cena.
A atriz Clarissa Kahane, apesar do empenho inquestionável, não imprime presença muito potente devido a certa escassez de recursos, conforme se pode perceber no registro vocal monocórdico (destituído de nuances e variações na velocidade com que o texto é dito). A fragilidade interpretativa diminui as possibilidades de voo de Meu Saba, que permanece, porém, como realização bem cuidada e oportuna.