No espírito do folhetim
A Mentira, nova montagem da Cia. OmondÉ, em cartaz no Teatro Gláucio Gill (Foto: Elisa Mendes)
A encenação de A Mentira, atualmente em cartaz no Teatro Gláucio Gill, pode trazer à lembrança algumas referências. Adaptação, a cargo da diretora Inez Viana, de um romance de Nelson Rodrigues publicado sob a forma de capítulos no jornal Última Hora, o texto remete às experiências do extinto Núcleo Carioca de Teatro, companhia conduzida por Luiz Artur Nunes, com a obra não-dramatúrgica do autor. A escolha do texto também está ligada a opções anteriores da Cia. OmondÉ, dirigida por Inez, no que diz respeito à operação sobre material literário.
A Mentira se impõe como uma realização que confirma a assinatura de Inez Viana, que vem extraindo teatralidade de uma cena que tem como base o uso expressivo de elementos reduzidos (aqui, chinelos, manipulados de modo a marcar os intrincados elos passionais entre os personagens). Uma cena calcada na interação estabelecida entre atores fluentes, resultado da integração entre a direção de Inez e a direção de movimento de Denise Stutz.
Em A Mentira, os atores se desdobram em diversos personagens do folhetim rodrigueano. Ao longo da apresentação, entram e saem dos personagens, evidenciando, diante do público, a construção da própria cena, princípio que evoca a vertente desenvolvida por Aderbal Freire-Filho sob o título de Romance em Cena. Mas Inez adapta os textos, enquanto Aderbal adota como regra a ausência de adaptação, o contato do espectador com obras volumosas descortinadas na íntegra.
A mencionada construção da cena transparece ainda na ostentação da artificialidade, simbolizada pelos momentos em que os atores borrifam água nos olhos uns dos outros, código que instaura imediatos instantes de choro. Apesar do emprego repetido, o recurso funciona. O espetáculo realça o caráter de folhetim e prioriza a emoção falseada em detrimento do sentimento sincero.
A natureza novelesca da obra é reforçada pela inclusão de músicas antigas que imprimem atmosfera nostálgica valorizada, em certa medida, pela iluminação de Ana Luzia de Simoni. No elenco, André Senna e Lucas Lacerda se destacam, demonstrando maior domínio do jogo cênico. Mas, mesmo com eventuais desníveis, Denise Stutz (que reveza com Inez Viana), Elisa Barbosa, Junior Dantas, Leonardo Bricio e Zé Wendell surgem afinados com a proposta.