Não inova, mas diverte
Leo Bahia em The Book of Mormon, espetáculo realizado na UniRio (Foto: Alexandre Farias)
Na história do teatro brasileiro, os amadores trouxeram a renovação para a cena. O processo despontou nas primeiras décadas do século XX por meio de iniciativas que ficaram distantes de seus objetivos, ganhou força através do surgimento de coletivos (Teatro do Estudante do Brasil, Grupo de Teatro Experimental, Grupo Universitário de Teatro, English Players, Os Comediantes) e desaguou em espetáculos inovadores como o Romeu e Julieta, do TEB, sob a condução de Itália Fausta, e o sempre lembrado Vestido de Noiva, dos Comediantes, na encenação de Ziembinski. Os amadores de opunham à cena tal qual estava instituída até então: um teatro que girava em torno do primeiro ator, que não decorava o texto (havia a profissão do ponto) e tomava uma série de liberdades em relação às peças; um teatro que inviabilizava a presença do encenador como um profissional disposto a imprimir uma autoria, uma visão própria, sobre o trabalho. Esse modo de fazer teatro foi suplantado (o que não significa que todas as suas características tenham simplesmente deixado de existir) no final da década de 1940, marcada pelo nascimento das primeiras companhias modernas.
Atualmente, o teatro amador volta a receber destaque graças à repercussão obtida com a montagem de The Book of Mormon, que vem atraindo um público abrangente às dependências da Uni Rio e talvez ultrapasse as fronteiras da universidade rumo a um teatro particular. Contudo, ao contrário da contribuição histórica realizada pelos amadores, essa empreitada não visa a trazer novas proposições para a cena. A base aqui é o teatro institucionalizado (The Book of Mormon está consagrado como um enorme sucesso da temporada da Broadway). O desafio consiste, isto sim, em transportar para o palco um espetáculo musical de grande porte sem que as limitações – tanto em termos de produção (as costumeiras dificuldades da cena universitária) quanto de domínio técnico (a eventual defasagem entre atores profissionais e estudantes) – se imponham de forma contundente, impossibilitando a concretização.
Nesse sentido, a montagem, que integra o projeto (coordenado pelo professor e diretor Rubens Lima Junior) Teatro Musicado, do Centro de Artes e Letras da UniRio, é vitoriosa. A concepção estética da encenação (cenários e figurinos de João de Freitas Henriques) é bem resolvida. Não leva o espectador que assistiu à montagem estrangeira a se incomodar com o descompasso entre o glamour do espetáculo americano e o resultado do brasileiro. Os atores (Hugo Kerth e Leo Bahia à frente) se saem bem dentro da linha de exagero proposta na peça assinada por Trey Parker, Matt Stone e Robert Lopez, evidenciam timing e domínio na execução das coreografias (de Victor Maia).
A direção de Rubens Lima Jr. caminha menos na trilha da inventividade e mais na de fornecer subsídios para que os estudantes vençam os obstáculos lançados pelo material original e se mostrem prontos para a cena profissional. No entanto, talvez se possa falar em autoria no que se refere à divertida versão brasileira das letras (a cargo de Alexandre Amorim). A maior restrição que se pode fazer a The Book of Mormon não diz respeito ao espetáculo brasileiro em si, mas ao próprio texto, que segue muito bem até determinado ponto dentro do saudável esforço em firmar oposição ao politicamente correto imperante nos dias de hoje. A apresentação inicial dos mórmons, a viagem para Uganda, o estranhamento decorrente do confronto com uma realidade distinta e a convivência entre os missionários rendem ótimos momentos. Não há dúvida, porém, de que o texto cai a partir do instante em que busca um tom um pouco mais sério, testado com a tragédia que deflagra a crise de um dos protagonistas. Em relação ao que ambiciona, a encenação da UniRio é um feito a ser comemorado.