Montagem fiel aos princípios da Limite 151
Edmundo Lippi, Gláucia Rodrigues e Igor Cosso em O Casamento Suspeitoso (Foto: Chico Lima)
A Cia. Limite 151 mantém uma postura corajosa ao investir em dramaturgia de qualidade numa época marcada pela decrescente valorização do texto clássico. Essa resistência diante do panorama teatral contemporâneo vem acompanhada de uma dose de negociação – e, pelo menos a princípio, não há problema nisso –, evidenciada, no caso do grupo, por meio da escolha de peças filiadas à comédia (gênero de autores priorizados pelo coletivo, como Molière e Ariano Suassuna).
A mencionada ousadia de trabalhar com dramaturgia que tem atravessado o tempo contrasta, em alguma medida, com uma certa acomodação da companhia, no que diz respeito ao transporte dos textos para o palco. O grupo não ambiciona se expressar a partir das peças, promover eventuais articulações (objetivos que não necessariamente levariam a uma desconstrução da integridade do material original) ou propor uma leitura particularizada, mas apenas apresentar ao espectador as histórias contidas em cada peça. Se por um lado a companhia presta um importante serviço ao descortinar textos relevantes num momento em que muitos são injustamente relegados ao esquecimento, por outro os espetáculos do grupo tendem a uma uniformização.
As direções das montagens da Cia. Limite 151 parecem buscar um proposital apagamento para que a peça reine diante da plateia. Não é diferente agora com a condução da encenação de O Casamento Suspeitoso, atualmente em cartaz no Teatro Eva Herz, a cargo de Gláucia Rodrigues e Wagner Campos, que colocam os espectadores frente às peripécias de Cancão e Gaspar, empregados que não medem esforços para impedir a realização de um casamento por interesse. A dupla de criados, que lembra bastante outro par da dramaturgia de Ariano Suassuna, os célebres João Grilo e Chicó de O Auto da Compadecida, remete a uma tradição histórica da comédia, de autores como Molière e Goldoni, ambos influenciados pela Commedia Dell’Arte.
Elemento imperante na comédia, o disfarce surge em destaque em O Casamento Suspeitoso. Os personagens camuflam com constância suas próprias identidades com o intuito de alcançar seus intentos. Essa característica distingue as atuações. Parte do elenco – André Arteche, Edmundo Lippi, Maria Adélia e Henrique Juliano – envereda por composições acentuadas, enquanto a outra parte – Flávia Fafiães (mesmo que levemente caricata), Isabella Dionísio, Igor Cosso e Hélio Zachi – se aproxima mais da corrente naturalista, menos exacerbada. Gláucia Rodrigues, como Cancão, transita entre as duas vertentes. Permanece em registro discreto durante quase todo tempo, interpretando personagem masculino sem imprimir um desenho estilizado, mas ao imitar, em dado instante, Frei Roque, recorre aos expedientes da composição.
As diversas janelas e portas, cobertas por panos de estampas variadas, que integram o cenário de Colmar Diniz (responsável ainda pelos figurinos), realçam os sucessivos desencontros que geram os mal-entendidos frequentes na linhagem da comédia. A cenografia reconstitui espaço fechado, mas com aberturas para o meio externo. Nessa encenação de O Casamento Suspeitoso, a brasilidade, tão definidora da dramaturgia de um autor como Suassuna, que se apropriou de referências estrangeiras, vem à tona através da iluminação, ora solar, ora crepuscular, de Rogério Witgen e da direção musical de Wagner Campos.