Melhor na tradição que na invenção
Isio Ghelman, Mayara Travassos, Marcelo Aquino, Marcio Vitto e Mario Borges em Ivanov (Foto: Dalton Valério)
Na montagem de Ivanov, peça de Anton Tchekhov, atualmente em cartaz no Teatro Ipanema, Ary Coslov investe em determinadas operações tanto no âmbito da dramaturgia quanto no da concepção da cena. Na primeira esfera, Coslov fez cortes com o provável intuito de potencializar a jornada conflituosa do protagonista, que, cada vez mais deslocado, se afasta progressivamente da esposa doente. Na segunda, o diretor procura realçar a mecânica do teatro por meio do espaço descarnado, do tablado suspenso sobre o palco, dos figurinos à vista da plateia, da exposição de bastidores, da permanência dos atores nas laterais quando se encontram fora da ação e de códigos que explicitam o jogo da representação (ao final, o ator Isio Ghelman levanta diante do público após seu personagem morrer e a atriz Sheron Menezzes fala um trecho com o texto na mão). Contudo, não parece haver uma relação muito consistente entre a evidenciação dos artifícios do teatro e a leitura de Coslov acerca da peça, o que faz com que as opções da direção soem, em parte, postiças.
É numa perspectiva mais tradicional de teatro, centrada na transmissão do texto, que o espetáculo melhor se realiza. Através dessa montagem, Coslov proporciona ao espectador entrar em contato com uma obra menos conhecida de Tchekhov, mas que aponta características que seriam desenvolvidas em peças futuras, principalmente em Tio Vânia, a julgar pela contundente transição do protagonista. Os atores (Isio Ghelman, Marcelo Aquino, Marcio Vito, Mario Borges, Mayara Travassos e Sheron Menezzes) tornam os personagens palpáveis, concretos. Há eventuais exageros – observação que, porém, não se estende ao personagem expansivo de Borges e nem aos interessantes momentos de descontrole físico que encaminham as atuações, mesmo que brevemente, para o extremo.
Algumas das demais criações que integram a montagem nem sempre se revelam orgânicas no palco. A cenografia de Marcos Flaksman é composta por painéis que sinalizam a importância da natureza (a preocupação ecológica de Tchekhov, também marcante em Tio Vânia, texto que, como Ivanov, tem o médico como figura de destaque). O resultado é modesto, apesar de valorizado pela iluminação ocasionalmente intensa de Aurélio de Simoni. A trilha sonora, do próprio Coslov, é mais instigante na mistura de épocas do que em certa onipresença de música suave e impessoal na primeira metade da encenação. Os figurinos de Beth Filipecki são discretos, em especial os masculinos. Ainda que proposições imprevistas suscitem curiosidade e se mostrem bastante oportunas (conforme mencionado, os instantes de fúria de um ou outro personagem), Ivanov é um espetáculo que cativa por aproximar a plateia de um Tchekhov menos difundido.