Mecanismos de uma cena sintética
Alexandre Guimarães em O Açougueiro, montagem em cartaz no Teatro Poeira (Foto: Lucas Emanuel)
O empenho em extrair teatralidade de elementos reduzidos fica estampado na montagem de O Açougueiro, atualmente em cartaz no Teatro Poeira. Um único ator (Alexandre Guimarães) se desdobra em alguns personagens e o diretor (Samuel Santos), também responsável pelo texto, propõe atmosfera por meio de cena despojada.
Alexandre Guimarães interpreta o protagonista e os coadjuvantes de uma história centrada em menino que desde cedo sonha se tornar açougueiro e realiza o desejo na juventude, quando se casa com prostituta discriminada pelos habitantes da cidade onde vive. A carne é a espinha dorsal da peça (de diferentes formas, os ofícios do personagem principal e de sua esposa), que evolui rumo a desfecho macabro.
O problema mais frequente em projetos nos quais um ator transita por diversos personagens é o da ostentação de uma versatilidade interpretativa. Alexandre Guimarães não cai exatamente nessa armadilha. Não exibe composições distintas. Em certa medida, os personagens parecem se contaminar uns aos outros. O ator busca uma fisicalidade híbrida entre o homem e o animal. Sugere o animal sem “virar” um por meio da imitação. Como narrador, não adere ao distanciamento tradicional; ao contrário, realça comprometimento com o que conta, atravessado pelos acontecimentos.
Apenas num breve instante o ator se afasta dos personagens para se dirigir ao público e destacar um pequeno trecho do texto com voz desarmada, quebra cuja artificialidade é sublinhada por luz neutra. Já ao longo da apresentação a iluminação prioriza as cores intensas (laranja e vermelho), escolhas evidentes para frisar a carne e o sol inclemente do sertão, evocado ainda por meio de sonoridades que remetem à cultura nordestina.
Em O Açougueiro, Alexandre Guimarães descortina uma história simples de maneira fluente. Com o corpo coberto de barro, o ator traz à tona o homem animalizado, seja no que se refere à conduta primitiva decorrente de mentalidades atadas a preconceitos, seja no que diz respeito à força instintiva que constitui cada indivíduo.