Literário sem perder de vista o teatral
Os Trabalhadores do Mar: transposição de obra de Victor Hugo para a cena (Foto: Diego Molina)
A encenação de Os Trabalhadores do Mar não camufla a origem literária do romance de Victor Hugo – e não apenas pelo fato de livros serem manuseados em cena. A estrutura narrativa e descritiva é plenamente assumida na montagem de Diego Molina. Nesse mergulho em obra de autor emblemático do Romantismo, movimento norteado pela defesa da liberdade de criação do artista (em oposição à obediência às regras pré-estabelecidas do Classicismo), os atores da companhia Alfândega 88 se colocam com frequência ao longo da apresentação em disposição frontal diante do público, de modo a frisar o ato de contar a história. A narração, porém, não é destituída de comprometimento emocional. O elenco não diz o texto de maneira distanciada, mas, ao contrário, afetada pelas circunstâncias nas quais os personagens se veem inseridos.
A filiação a certas plataformas da Alfândega 88, companhia capitaneada por Moacir Chaves, fica evidente nessa montagem, a exemplo da determinação em fazer com que os atores se expressem verbalmente com ênfase. Por mais que haja a intenção de imprimir colorido ao texto, sem abordá-lo como bloco uniforme, esse registro nivela, em alguma medida, a fala. Diego Molina conduz a cena com segurança, ainda que pareça mais preocupado em manter fidelidade às diretrizes de uma linha de trabalho do que em firmar assinatura independente.
O resultado é não só cercado de cuidados como representa uma aposta na imaginação do espectador, ideal em se tratando de uma narrativa épica cujas imagens da natureza não poderiam ser concretizadas no palco. A cenografia, a cargo do próprio diretor e dos integrantes da companhia (com supervisão de Fernando Mello da Costa), é composta por andaimes, manipulada de forma expressiva no decorrer da sessão. A iluminação de Aurélio de Simoni aproveita a verticalidade do palco do Teatro Serrador, contrasta a tonalidade neutra com cores intensas e envolve tanto a massa quanto fecha o foco em torno de atores/personagens. Os figurinos de Inês Salgado também combinam tons discretos com outros mais destacados e são oportunamente gastos, o que os afasta de uma assepsia inverossímil.