Lembranças de uma atriz única
Assisti a poucos espetáculos com Eva Todor no teatro – só Como se Tornar uma Supermãe em Apenas Dez Lições, peça de Paul Fucks encenada por Wolf Maya, e A Pequena Mártir de Cristo Rei, texto Maria Carmem Barbosa e Miguel Falabella com direção de Falabella – porque o início da minha vida de espectador coincidiu com o momento em que ela começava a se afastar dos palcos. Seu segundo marido, Paulo Nolding, havia morrido. E os maridos foram determinantes na construção e no cálculo da carreira de Eva no teatro – antes de Nolding, Luis Iglesias, com quem fundou a Cia. Eva e seus Artistas, sediada no Teatro Serrador entre 1940 e 1963, e criou o chamado gênero Eva, referente a personagens levemente deslocadas da realidade e repletas de charme e frescor. Como no cinema sua presença era rara (ainda que não haja como esquecer da antológica cena do espelho que protagonizou ao lado de Oscarito em Os Dois Ladrões, filme de 1960, a cargo de Carlos Manga), passei a acompanhá-la na televisão, veículo onde despontou tardiamente – primeiro com o programa As Aventuras de Eva e depois na novela Locomotivas, de Cassiano Gabus Mendes –, a partir do final dos anos 80, em novelas como Top Model, de Walther Negrão e Antonio Calmon, e O Cravo e a Rosa, de Walcyr Carrasco e Mario Teixeira, e minisséries como Hilda Furacão, de Glória Perez.
Percebi que Eva não é “apenas” uma atriz de personalidade específica, mas uma exceção na história do teatro brasileiro. Húngara, começou a fazer balé aos quatro anos e, ao desembarcar no Brasil, passou a ter aulas com Maria Olenewa no Theatro Municipal. Ingressou no teatro brasileiro antes do advento da cena moderna – implantada no Brasil com a fundação das companhias Teatro Brasileiro de Comédia e Teatro Popular de Arte, ambas em 1948, marcadas pelas contribuições revolucionárias dos encenadores estrangeiros, alguns já trabalhando com os grupos amadores. Diferentemente do que aconteceu com outros primeiros atores, Eva não caiu no ostracismo. Atravessou fronteiras – fez temporadas na Europa (Portugal) e na África – e se manteve em alta sem investir de maneira contundente num projeto de mudança de repertório, apesar de ter interpretado personagens não tão próximas de sua linha característica, casos de Senhora da Boca do Lixo, de Jorge Andrade, e O Efeito dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, de Paul Zindel. Talvez porque, ao contrário da maioria, ela tenha conseguido, a cada atuação, imprimir a sua conhecida assinatura com notável perfume de novidade. Sua morte – no último domingo, aos 98 anos – deixa um travo especialmente amargo. Afinal, Eva Todor é única.