Leituras de Beckett
Yara de Cunto em Ato sem Palavras 1 (Foto: Diego Bresani)
BRASÍLIA – Os irmãos Adriano e Fernando Guimarães vêm, ao longo do tempo, se debruçando sobre a obra de Samuel Beckett – particularmente, sobre os textos curtos do autor irlandês –, a julgar pelos projetos de Felizes para Sempre, Não ficamos muito Tempo… Juntos e Todos os que Caem. Em cartaz em Brasília, Sopro representa uma continuidade da investigação promovida por ambos, não “só” no sentido de trazer à tona material pouco difundido de Beckett como, principalmente, no que diz respeito às apropriações dos textos em trabalhos que se aproximam da instalação cênica, do campo das artes plásticas.
Como nas iniciativas anteriores, Adriano e Fernando Guimarães voltam a lançar versões próprias para os textos de Beckett, perspectiva mais destacada em Ato sem Palavras 1 do que em Passos – as duas peças que, traduzidas por Barbara Heliodora e Fábio de Souza Andrade, integram Sopro. Em ambas há presenças ausentes imperativas: no primeiro caso, a mãe de May, personagem escutada, mas nunca vista pelo público; no segundo, de uma invisível instância superior que controla as ações da personagem. Se em Passos sobressai a estrutura do texto (por meio do trânsito por diferentes formas – diálogo, descrição, narração), em Ato sem Palavras 1 a imagem é valorizada. Nessa última peça, Adriano e Fernando Guimarães se afastam da circunstância original, do espaço desértico determinado por Beckett, para propor uma diversa – a de uma idosa tentando tomar café da manhã em meio a um grande vendaval. Os diretores mantêm inalterada a questão da impotência, mesmo que não necessariamente diante da morte.
Adriano e Fernando Guimarães também assinam a cenografia, realçando a autoria sobre o projeto, composta, em Passos, por um tablado de madeira clara, elemento essencial para dimensionar a importância dos passos de May e, em Ato sem Palavras 1, por mesa, conjunto de louças e enorme ventilador. Há ainda a sugestiva porta entreaberta em Passos, sublinhando a “presença” da mãe de May, e a tela transparente onde são exibidas informações sobre as peças. A iluminação de Dalton Camargos imprime gradações sutis. Sopro reúne duas atrizes em cena: Yara de Cunto e Liliane Rovaris. Em Passos, Rovaris assume sonoridade algo melancólica, propositadamente linear, em atuação que não busca o resultado de efeito. Em Ato sem Palavras 1, De Cunto – que marca presença na peça anterior através de voz em off – se concentra na realização minuciosa da tarefa proposta pelos diretores, evidenciando esforço em vencer as etapas do desafio físico.