Investimento na espontaneidade
Bandeira de Retalhos ganha nova temporada no Casarão do Nós do Morro (Foto: Ricardo Gama)
O grupo Nós do Morro se volta para a própria história em Bandeira de Retalhos, texto de Sérgio Ricardo que evoca de maneira direta uma tentativa de remoção dos moradores do Vidigal na segunda metade dos anos 70, durante, portanto, a vigência da ditadura militar. No texto, o autor entrelaça a perspectiva documental com a tragédia romântica vivenciada por uma mulher e dois homens.
A companhia faz oportuna homenagem a Sérgio Ricardo, que completou 80 anos, muitos deles dedicados ao Vidigal, ao trazer à tona essa peça e suas músicas. No que se refere especificamente ao texto, o autor presta um tributo ao espírito de comunhão existente entre os moradores do morro. É possível perceber certo desgaste na reedição do conflito amoroso dos protagonistas. E a figura do traficante é vista com um olhar algo idealizado, artificialmente humanizado quando contraposta à arbitrariedade com que os policiais tentam remover os moradores de suas casas.
Na encenação – que ganha nova temporada no Casarão do Nós do Morro, no Vidigal –, Guti Fraga e Fátima Domingues valorizam partitura de sons decorrentes de ações que remetem ao cotidiano no morro. A direção de arte de Ruy Cortez procura reproduzir a ambientação da favela (as passagens estreitas) e investe numa concepção estética distante de padrões assépticos, que flerta diretamente com o real através da reconstituição dos casebres, do comércio e da bica de água que serve à comunidade.
Mas o melhor de Bandeira de Retalhos reside na autenticidade flagrante tanto no registro interpretativo dos componentes do Nós do Morro quanto na concepção estética do espetáculo. Os diretores procuram quebrar o tom tradicional de representação através de desempenhos que caminham em sentido contrário ao da impostação. O objetivo parece ser o de construir um estado de espontaneidade, fazendo o elenco reagir ao instante imediato da cena. A força do Nós do Morro é coletiva. Cabe, porém, destacar os trabalhos de João Gurgel, Marília Coelho e Renan Monteiro. Os atores enfrentam ainda os desafios presentes nas músicas de Sérgio Ricardo.
Texto publicado no Jornal do Commercio