Instigante diálogo entre ópera, teatro e cinema
Fidelio, ópera de Beethoven dirigida por Christiane Jatahy que faz última apresentação amanhã no Theatro Municipal (Foto: Sheila Guimarães)
Fidelio, ópera de Ludwig van Beethoven, que faz sua última apresentação amanhã no palco do Theatro Municipal, resulta das propostas lançadas por uma diretora de teatro – Christiane Jatahy – até então desvinculada do mundo da ópera. Centrado no intercâmbio entre ópera e teatro, o projeto também traz à tona a interface entre teatro e cinema, base da pesquisa de Jatahy.
Logo no início, a diretora evidencia determinação em caminhar em sentido oposto ao da suntuosidade operística. Christiane Jatahy investe no palco quase nu, desglamourizado. Os elementos em cena (cadeiras) são bastante reduzidos e os figurinos (de Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues), despojados e contemporâneos. Em dados instantes, Jatahy mistura na plateia parte dos integrantes do coro, rompendo com a tradicional separação entre público e cena. A iluminação (de Beto Bruel) quente, talvez opressiva, incide sobre os espectadores. A sensação de opressão, de encarceramento, sobressai ainda por meio da descida dos refletores até o plano dos cantores/personagens.
No segundo ato, Christiane Jatahy exibe, no palco do Municipal, um média-metragem, no qual os atores (Stella Rabello, Julio Machado, Ricardo Santos e Danilo Grangheia) interpretam duplos de alguns dos personagens da ópera, feitos em cena pelos cantores (Melba Ramos, Martin Homrich, Julie Davies, Santiago Ballerini, Savio Sperandio, Sebastian Noack, Paul Armin Edelmann). No filme, que começa com uma longa descida em escada em formato de caracol, Jatahy destaca a maquinaria, a engrenagem (característica já detectada no primeiro ato através da imagem do palco descarnado). Na tela, os atores se movimentam, mas não falam, ao passo que os cantores, em cena, ficam incumbidos da “fala”, mas pouco se movimentam. No final, porém, os atores entram em cena, como se saltassem da tela, e permanecem parados, enquanto os cantores se movimentam.
Christiane Jatahy realça os tempos próprios de cada manifestação – o teatro (ou, no caso, a ópera) como arte do presente e o cinema como atada ao passado –, ao mesmo tempo em que problematiza essa definição ao fazer com que os atores do filme se descolem da esfera do passado e surjam em cena. Essas fronteiras temporais vêm sendo tensionadas pela diretora em seus últimos trabalhos, como Julia e E se elas fossem para Moscou?, apropriações, respectivamente, de Senhorita Julia, de August Strindberg, e As Três Irmãs, de Anton Tchekhov. Quando o filme termina, Christiane Jatahy surpreende com mais um momento de impacto nessa ópera que conta com regência de Isaac Karabtchevsky: à medida que a tela é suspensa, todo o coro sobe do fosso do Municipal para encerrar essa instigante experiência a partir de Fidelio.