Inclusão e estranhamento
Cena da montagem da CiaSenhas, em cartaz no Sesc Belenzinho (Foto: Elenize Dezgeniski)
SÃO PAULO – Há uma imagem idealizada que se quebra em Obscura Fuga da Menina Apertando sobre o Peito um Lenço de Renda, espetáculo da CiaSenhas de Teatro, de Curitiba, que está encerrando temporada no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Nessa segunda incursão do grupo em obra do argentino Daniel Veronese (a primeira foi com Circo Negro), os pais são confrontados com diversas informações sobre a filha desaparecida que, até então, desconheciam e que, por isso mesmo, tendem a não acreditar.
Se a princípio o rompimento da idealização encaminharia os personagens na direção do contato com a realidade, a montagem de Sueli Araujo inclui, insere o público em atmosfera nostálgica (portanto, desvinculada do instante imediato), a julgar pelas cadeiras antigas onde os espectadores são acomodados (a maioria emoldurando o espaço, alguns dentro da cena) e da iluminação (de Wagner Corrêa) que preenche o palco de tonalidade que contribui para esse clima.
A criação cenográfica (de Paulo Vinícius) potencializa determinados conteúdos do texto de Veronese (traduzido por Isabel Cristina Jasinski), a exemplo da manipulação dos elementos pelo espaço que realça as mudanças de perspectivas, ângulos, pontos de vista, à medida que a filha – personagem central, constantemente mencionada, mas nunca presente – vai sendo descortinada diante dos pais a partir das cartas que deixou para eles, o namorado e a amiga/namorada. Os dados contraditórios fornecidos em relação à filha evidenciam que nenhum dos personagens é portador de um retrato integral, completo, totalmente verdadeiro dela. Nesse sentido, ocorre sempre uma ficcionalização do real.
O espetáculo surge revestido de certos mecanismos de estranhamento que podem ser percebidos tanto na trilha sonora (de Ary Giordani), que alterna sons de manifestações da natureza com propostas menos apoiadas sobre referências concretas, quanto na inversão sexual nas figuras da mãe e do pai a cargo, respectivamente, de um ator e de uma atriz. A sensação é acentuada por uma interessante fusão entre a caracterização masculina destinada à atriz e à feminina, ao ator e a preservação das identidades sexuais originais, em especial através da voz. Assim, a plateia se depara com atores/personagens que acumulam o masculino e o feminino, ao invés de procurarem ocultar uma das identidades em favor da outra. No elenco, o destaque recai para Luiz Bertazzo, que se apropria com notável segurança e com dose considerável de contundência (mas sem resvalar no exagero) da mãe.