Implicações de uma escrita realizada no calor do momento
Cena de Os Intolerantes, montagem em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (Foto: Flavia Fafiães)
Os Intolerantes é uma peça que parece nascer de uma necessidade de escrever no calor da hora sobre acontecimentos bastante recentes. Os autores Carla Faour e Henrique Tavares (responsável pela direção) buscaram inspiração em fatos reais – as ações dos chamados justiceiros que, nos últimos meses, acorrentaram a postes pessoas acusadas de infrações. Ao longo do texto, outros acontecimentos, também referentes ao Brasil do presente ou do passado próximo, vêm à tona, como as manifestações populares agitadas pelas atuações de black blocs e a nostalgia em relação ao período em que o país era dominado por militares.
Os autores realçam o nonsense da realidade já na primeira metade, quando a peça se mostra mais atada a uma circunstância específica e concreta (um homem negro, acusado de roubar uma idosa, é acorrentado a um poste, atitude que gera polêmica entre os passantes), ao destacarem uma suposta impossibilidade dos personagens de se distanciarem do local. É como se estivessem quase que inexplicavelmente presos (sob a justificativa de que todos devem esperar pela chegada da polícia) a um espaço aberto. A partir de dado momento, porém, Faour e Tavares se afastam da estrutura realista – característica evidenciada pela transição na cenografia de José Dias, inicialmente composta por um poste e um banco – e transcendem, em algum grau, o plano do aqui/agora ao frisarem a perpetuação da lógica da exclusão ao longo do tempo.
De qualquer modo, talvez em decorrência da produção de uma escrita movida pela urgência, pelo desejo de capturar o instante, os personagens de Os Intolerantes resultam pouco multifacetados, na medida em que representantes de determinadas tomadas de posição no mundo (a idosa saudosa da ditadura, a militante, a mulher aristocrática). Esta limitação restringe os voos interpretativos do elenco. Ainda assim, Eder Martins de Souza demonstra intensidade e construção menos previsível do jovem acusado de furto.