Fragilidade interpretativa em cena refinada
Joelson Medeiros, Raquel Iantas e Alcemar Vieira em Madame Bovary (Foto: Milton Montenegro)
Nessa transposição teatral do emblemático romance de Gustave Flaubert – centrado na crescente insatisfação de Emma Bovary em relação ao cotidiano após o casamento com o pacato Charles – para o palco há um desnível entre os méritos da encenação propriamente dita e a fragilidade do rendimento interpretativo alcançado junto ao elenco. Responsável pela adaptação da obra original, tradução e direção, em parceria com Rafaela Amado, Bruno Lara Resende – que, nos últimos anos, transportou para o teatro outro livro, O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, em monólogo assinado por Daniel Herz – investe na estrutura narrativa, realçada por recorrente marcação frontal dos atores.
O diretor procura valorizar o texto e o trabalho do elenco por meio de uma cena limpa, preenchida por cenografia sintética de Marcelo Lipiani, composta por duas mesas frequentemente acopladas. Duas criações se impõem ao longo do espetáculo, que, no próximo domingo, encerra temporada no Mezanino do Espaço Sesc: a iluminação de Renato Machado e a trilha sonora de Antonio Saraiva. No primeiro caso, a luz aproveita a tela ao fundo do cenário para inserir cores fortes (destaque para vermelho e azul), assinala presenças referidas, mas invisíveis aos olhos dos espectadores, em determinadas passagens, delimita focos, propõe atmosferas. No segundo, a música fornece acompanhamento às vezes suave, às vezes rascante, sinalizando ameaça.
O refinamento perceptível nos elementos da cena contrasta com limitações na condução dos atores, que, em linhas gerais, se ressentem de maior colorido em suas interpretações. Raquel Iantas não imprime muitas gradações na construção da desestabilizada Emma Bovary. Vilma Melo se divide entre personagens distintas sem sutileza. Mesmo buscando se afinar com atuação em tom menor, Lourival Prudêncio reafirma o seu registro exuberante, caracterizado por indisfarçável toque de humor. Alcemar Vieira transita com algum domínio por diferentes composições. Apesar de certa linearidade, Joelson Medeiros projeta desenho preciso de Charles Bovary. Em que pesem as restrições, a montagem de Madame Bovary evidencia fluência na adaptação da obra de Flaubert e possui qualidades de concepção que não devem ser desconsideradas.