Formato conhecido, mas com algum frescor
Rodrigo Sant’anna se desdobra em 23 personagens em Lotação Esgotada (Foto: Cezar Moraes)
Lotação Esgotada é legítimo exemplar de um modelo de projeto concebido para fornecer a um comediante a possibilidade de exercer a sua versatilidade por meio do trânsito acelerado por uma considerável quantidade de personagens/tipos. Plataformas como a dessa montagem, em cartaz no Teatro do Leblon – Sala Marília Pêra, visam ao brilho do ator. A função do diretor costuma ficar circunscrita a um plano mais discreto, sem se constituir como interferência ao trabalho do ator, e a qualidade do texto tende a ser modesta, já que o carisma e o timing do intérprete são mais valorizados do que uma dramaturgia propriamente consistente.
Conforme o esperado, o texto de Becky Mode desponta em cena como veículo para um ator – no caso, Rodrigo Sant’anna, que adaptou a peça com o diretor Moacyr Góes –, levado a se multiplicar em mais de 20 personagens, além do protagonista, um ator iniciante, em busca de oportunidades profissionais, que garante seu sustento fazendo reservas num restaurante de luxo. A autora esgarça essa situação-base sem se preocupar muito em desenvolvê-la. Traduzido por Ana Luiza Martins Costa e Laura Rónai, o texto é pouco mais que um pretexto para o ator dar vazão a tipos facilmente identificáveis, brincar com sotaques e referências a personalidades dos dias de hoje. Não se pode negar, porém, presença cênica a Rodrigo Sant’anna, especialmente no que diz respeito ao domínio vocal empregado para criar cada um dos tipos e ao desenho concreto, distante de estereótipos, do personagem principal, cuja neutralidade contrasta com as composições carregadas para os demais. Sozinho no palco, Sant’anna injeta algum frescor em formato conhecido.
Diretor que se destacou, no decorrer da década de 1980, através de encenações de textos de autores renomados, marcadas por vigorosos trabalhos corporais, Moacyr Góes evidencia, em Lotação Esgotada, a opção por uma dramaturgia popular. Uma escolha que não deve ser condenada, apesar de sua direção se revelar logicamente menos dotada de assinatura que diversas experiências anteriores (levando em conta também os espetáculos dos anos 1990). Nessa nova montagem, Góes não impõe uma visão sobre a atuação de Rodrigo Sant’anna. O diretor evita concorrer com o ator, não ferindo, desse modo, a proposta original. Eventuais quebras da quarta parede ambicionam suscitar cumplicidade no público em relação ao ator. Se a apresentação inicial de Rodrigo Sant’anna é simpática, os instantes em que o ator se volta diretamente aos espectadores não resultam em expressiva contribuição ao andamento do trabalho. O espetáculo surge ainda revestido de um acabamento superior a certo padrão funcional frequente em comédias comerciais, mas o cenário de Teca Fichinski soa excessivo, uma vez que a ação do personagem se concentra nos telefones espalhados sobre uma grande mesa e nos deslocamentos rumo aos aparelhos localizados nas laterais.