Formalismo e encantamento
Cena de A Velha, espetáculo de Bob Wilson que faz hoje sua última apresentação (Foto: Lucie Jansch)
Talvez seja possível dizer que toda obra artística é artificial – não no sentido de falsa, e sim de construída –, mas esta impressão fica ainda mais presente no teatro de Bob Wilson, encenador que realça a construção estética de seus espetáculos, que, porém, não permanecem reduzidos a essa dimensão. Vale dizer que o formalismo do encenador não inviabiliza o encantamento do espectador.
Em A Velha – trabalho que faz a sua última apresentação hoje, na Grande Sala da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro –, Wilson valoriza, por meio do jogo de repetições do texto do russo Daniil Kharms (adaptado por Darryl Pinckney), mais o ato de contar do que propriamente a história contada, centrada, em linhas gerais, na jornada de um escritor (cujos lados da mente são materializados através das atuações de Mikhail Baryshnikov e Willem Dafoe) perseguido pela imagem de uma mulher idosa que morreu.
Os atores obedecem a marcações bastante rigorosas e precisas, fundamentais na transmissão da perspectiva do duplo de si mesmo. Maquiados como clowns (a música de Hal Willner reforça o universo circense), surgem como figuras que evocam a atmosfera do cinema mudo.
As cenas são separadas por cortes bruscos e sons de objetos quebrando, opções que tendem a provocar uma sensação algo exasperante. Esteta perfeccionista, Bob Wilson, não por acaso, assina a cenografia e a iluminação, evidenciando, desse modo, a determinação em adquirir controle sobre os elementos que constituem o espetáculo. Concebe uma cena marcada por luz fria e painel de tonalidade azulada com recorte branco.
A escolha do texto e os procedimentos da montagem comprovam a distância estabelecida pelo diretor em relação a um teatro psicológico e naturalista, em sintonia com seus trabalhos recentemente apresentados no Brasil, como A Última Gravação de Krapp e Dias Felizes, ambos a partir de textos de Samuel Beckett.