Estrutura engenhosa valorizada por cena crua
Augusto Zacchi e Malvino Salvador em Chuva Constante (Foto: Marcelo Faustino)
A montagem de Chuva Constante possui pontos de ligação com a de Mente Mentira. Ambas foram dirigidas por Paulo de Moraes, trazem os atores Malvino Salvador e Augusto Zacchi no elenco e evidenciam investimento na dramaturgia de autores americanos (antes Sam Shepard, agora Keith Huff). Nesse texto, que tem tradução de Daniele Ávila Small, Huff aborda, por meio de escrita engenhosa, o intrincado vínculo, que esbarra em fronteira ética, entre dois amigos policiais.
O espetáculo em cartaz no Teatro do Leblon – Sala Marília Pêra entrelaça passado e presente. Na estrutura dramatúrgica, os personagens transitam entre a narração e a vivência. Há uma presentificação do passado, tendo em vista que os dois se mostram afetados pelo que contam, ao invés de descolados devido à passagem do tempo. A oscilação temporal também vem à tona com o procedimento multimídia – alternância de projeções de imagens pré-gravadas (que fornecem a cor local, realçando uma urbanidade caótica) com outras registradas por um videomaker (João Gabriel Monteiro) no instante da cena (de modo a destacar as reações de um dos personagens).
O recurso da projeção, apesar de interessante pela reflexão que propicia, é empregado com excesso e resulta ocasionalmente ilustrativo (no caso dos flagrantes urbanos) e injustificado (nos closes de expressão de Augusto Zacchi). São operações que contrastam com a oportuna crueza da encenação de Paulo de Moraes. A cenografia, a cargo do diretor, é composta por duas poltronas habilmente manipuladas pelos atores no decorrer da apresentação. A iluminação de Maneco Quinderé, mesmo realizada através de refletores que remetem ao ambiente de set televisivo ou cinematográfico próprio da trajetória de Huff, preserva sutilezas.
Verborrágico e marcado por tensão nervosa, o texto de Chuva Constante depende, em grande parte, dos trabalhos dos atores. Malvino Salvador demonstra empenho como o personagem que busca a onipotência, mas sucumbe cada vez mais diante da impossibilidade de controlar tudo. Suas falas surgem preenchidas por imagens. O ator, porém, envereda por um registro mais visceral que o necessário, o que uniformiza, em certa medida, sua interpretação. Já Augusto Zacchi transmite mais nuances como o policial que questiona o sentido de fidelidade em relação ao amigo.