Espírito enérgico em corpo agonizante
Luciano Chirolli em Memórias de Adriano, encenação que faz hoje a última apresentação no Espaço Sesc (foto: Renato Mangolin)
Na condensada transposição (assinada por Thereza Falcão) de Memórias de Adriano, livro de Marguerite Yourcenar, para o palco, o personagem-título narra suas vivências, por meio de uma carta, ao sucessor, Marco Aurélio, mas amplia o foco e abarca o público. O ator Luciano Chirolli quebra a quarta parede ao abordar os acontecimentos na trajetória do imperador Adriano: a adoração pela cultura grega, a fundação de bibliotecas, o casamento acomodado, a paixão pelo adolescente Antínoo e o confronto com a morte. Com exceção da primeira cena, porém, a conexão com o espectador, mesmo que central dentro do espetáculo, não é constantemente sublinhada. Outras diretrizes também são evidenciadas sem exagero no decorrer da montagem dirigida por Inez Viana, que encerra temporada hoje na Sala Multiuso do Espaço Sesc.
As criações que integram a encenação, bastante sintonizadas entre si, revelam escolhas bem marcadas, mas não se restringem a um único tom, tendo em vista as variações presentes ao longo da sessão. A trilha sonora de João Callado e Marcello H é frequentemente rascante, áspera. A iluminação de Tomás Ribas provoca certa sensação de choque por meio de clarões sobre a superfície vertical formada por junções de radiografias. A cenografia de Aurora dos Campos traz como elementos principais as radiografias, sugestivas de dissecação, termo próprio a um personagem que se desnuda diante de seu interlocutor e da plateia. Além disso, as chapas potencializam a dimensão do corpo – no caso de Adriano, um corpo debilitado, oscilante entre os extremos de agonia e êxtase, que contrasta com um espírito expansivo, enérgico.
Essa tensão desponta como a espinha dorsal da interpretação contundente de Chirolli, acompanhado, em cena, por Marcello H, que, em dado instante, relata a história amorosa entre Adriano e Antínoo, opção que soa algo arbitrária. Contudo, Inez Viana torna claros os demais procedimentos que norteiam o espetáculo, a exemplo da mencionada determinação em aproximar a obra original de Yourcenar do público. A diretora valoriza a atualidade do texto através da maneira direta, destituída de maiores rebuscamentos, com que o ator porta a palavra e do figurino (a cargo de Juliana Nicolay), que realça o elo com o contemporâneo.