Esforço de revelação
Estudo sobre o Masculino: Primeiro Movimento, trabalho de Antonio Duran em cartaz na sede do Teatro da Vertigem (Foto: Andreia Teixeira)
SÃO PAULO – A imagem de quatro homens nus – os atores Douglas Simon, Fernando Oliveira, Fernando Pernambuco e Ricardo Socalschi –, logo no início de Estudo sobre o Masculino: Primeiro Movimento, trabalho apresentado na sede do grupo Teatro da Vertigem, sugere ausência de máscaras, exposição transparente. Essa impressão inicial é relativizada, seja pelo fato de os atores ocasionalmente usarem próteses e cobrirem o rosto com argila, seja por evidenciarem a existência de um personagem de si mesmo, mais explicitado na construção de perfis para divulgação nas redes sociais. Até nos momentos em que os atores se referem aos próprios nomes e trazem à tona acontecimentos supostamente particulares, o registro do depoimento não chega a se impor plenamente. A instância da ficção permanece presente. Não haveria como ser diferente porque a história pessoal é sempre evocada por meio de interpretações.
Diretor desse estudo e autor do texto (em parceria com Bruna Menezes), Antonio Duran propõe um recorte ao abordar o universo de homens heterossexuais nascidos nos anos 1960 e 1970. Destaca a dificuldade de convivência nos vínculos amorosos, a solidão, a perda de pessoas próximas, a militância política durante a ditadura e no aqui/agora. Duran parece investir em mecanismos de aproximação e afastamento do público – no primeiro caso, pela configuração espacial, com a “ação” estabelecida no meio da plateia, dividida e disposta em lados opostos da sala, e no segundo, pelo rompimento com os princípios da cena realista (a julgar pelo uso não literal de macas hospitalares na cenografia de Isabella Neves e Beatriz Oliveira). Mas, ainda que a concepção cênica esteja distante de um formato convencional, os temas elencados integram uma pauta, em alguma medida, previsível.
Talvez os autores pudessem se debruçar mais sobre a relação dos homens com o próprio corpo e, em especial, com o corpo do outro, muitas vezes apressadamente classificado, de acordo com a cartilha heterossexual tradicional, como semelhante, destituído de especificidades, de um caráter de revelação, como se fosse uma mera casca que não informasse sobre o indivíduo. Esse tópico foi frisado na primeira metade de 8½ Mulheres (1999), filme do cineasta Peter Greenaway. De qualquer maneira, a iniciativa de lançar um olhar sobre o corpo masculino – despido, em boa parte, de glamour – é digna de nota e o modo como esse estudo desembarca no palco suscita bastante interesse.