Em estado de disponibilidade
Soraya Ravenle no solo Instabilidade Perpétua (Foto: Daniel Correia)
Em Instabilidade Perpétua, Soraya Ravenle traz à tona questões que atravessam o tempo, que evocam a ancestralidade do indivíduo (perspectiva, de certa forma, reforçada pela escolha do Midrash, onde o trabalho está em cartaz) e, portanto, o constituem. A atriz articula o presente com o passado remoto ao estabelecer contracena entre diferentes camadas de voz – a emitida no instante imediato e a gravada.
Entre os temas universais abordados na encenação, cabe destacar o impacto diante da descoberta do mundo, tanto da criança – pelo sabor de novidade evidenciado num contato inicial com a linguagem que transcende a mera produção de sentidos – quanto do adulto – a partir do convívio com a criança, que o leva a reinventar uma relação talvez cristalizada com as coisas. Havia, inclusive, um movimento de abertura para o mundo na espacialidade da primeira temporada de Instabilidade Perpétua, no Centro Cultural da Justiça Federal, por meio da conexão com a paisagem da rua e da valorização da luminosidade que entrava pelas janelas – concepção inviável, agora, no Midrash.
Apesar de surgir sozinha no palco, Soraya Ravenle apresenta um solo que resulta de múltiplas interferências – a direção é assinada por Daniella Visco, Georgette Fadel, Julia Bernat e Stella Rabello e há a colaboração artística de Andreas Gatto e Flavia Naves. A atriz ainda realizou, em parceria com Diogo Liberano, operação dramatúrgica sobre a obra de Pessanha. Em cena, Ravenle projeta a instabilidade no corpo e demonstra controle sobre o desequilíbrio. Procura aproximar o texto do espectador ao revestir as palavras de significados concretos, o que encaminha sua atuação para alguma reiteração, para uma tendência a sublinhar o que é dito. Mesmo assim, não se deva minimizar o empenho em imprimir um registro interpretativo desarmado, a julgar pelos momentos em que fala diretamente com o público. Em estado de disponibilidade, Soraya Ravenle revela, em Instabilidade Perpétua, saudável dose de inquietação.